Protagonismo e resistência

Mulheres negras transformam terceiro setor com voz, luta e acolhimento em Minas

Conheça mulheres que atuam na linha de frente da transformação social, enfrentam exclusões históricas e reivindicam dignidade e equidade todos os dias do ano

Do HOJE EM DIA*
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25/07/2025 às 13:59.
Atualizado em 25/07/2025 às 14:00

Nesta sexta-feira, 25 de julho, é celebrado o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. A data é marcada pela força das mulheres negras na luta contra o racismo, o sexismo e todas as formas de discriminação. Mas, mais que um marco no calendário, esse é um momento de resistência, visibilidade e afirmação.

Em Minas, a data tem forte significado no Sistema Divina Providência, uma das maiores instituições filantrópicas do estado, que oferece educação em tempo integral e outras assistências a quem precisa. 

“Fazemos parte da base da pirâmide social. Sustentamos, construímos, cuidamos e resistimos. Não queremos apenas que nos celebrem um dia. Queremos existir com plenitude todos os dias do ano”, disse Lilian Gualberto, advogada e representante jurídica do Sistema Divina Providência. 

Professora e alunas do curso de turbante no Sistema Divina Providencia (Sistema Divina Providencia?Divulgação)

Professora e alunas do curso de turbante no Sistema Divina Providencia (Sistema Divina Providencia?Divulgação)

De acordo com Lilian Gualberto, muitas vezes, a presença da mulher negra é vista como algo “natural” ou “dado”, quando na verdade ela carrega em si uma construção social, cultural e histórica repleta de enfrentamentos. “Muito mais do que nascer preta, é preciso se reconhecer enquanto mulher negra, ocupar esse lugar e afirmar, com dignidade, nossa importância na sociedade”, afirmou Lilian.

O relato de Lilian traduz a realidade de muitas mulheres negras brasileiras: “sou  negra, vinda do subúrbio, e como tantas outras, enfrentei barreiras. Muitas das minhas conhecidas não tiveram a mesma chance: algumas perderam a vida, outras se tornaram mães solo precocemente, muitas desistiram. Eu escolhi acreditar. Meus pais disseram: ‘vamos ter uma filha advogada’. E hoje sou essa filha, uma mulher negra, advogada, com trajetória acadêmica marcada por dificuldades, exclusões e resistência.”

Mulheres negras no terceiro setor

No encontro Diálogo da Base à Gestão: Pluralidade da atuação feminina no Terceiro Setor, o Sistema Divina Providência reuniu mulheres que desempenham papel fundamental para a consolidação da liderança feminina na transformação social. A roda de conversa foi promovida em parceria com a Fundamig e o Movimento Mulheres 3S, e entre as participantes estava Patrícia Amorim Gonçalves, 31 anos, Analista Administrativa no setor de Sustentabilidade do Sistema Divina Providência, uma mulher negra atenta à realidade que a cerca. 

“O protagonismo da mulher negra no Terceiro Setor é imenso, mas ainda é pouco visibilizado. Viemos de um processo histórico que nos empurrou para o papel de cuidadoras, sempre atravessadas pela desigualdade — seja no trabalho, seja na vida familiar”, reflete.

Patrícia Amorim com representantes de ONGs do terceiro setor (Sistema Divina Providencia/Divulgação)

Patrícia Amorim com representantes de ONGs do terceiro setor (Sistema Divina Providencia/Divulgação)

Natural de Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, Patrícia carrega na trajetória pessoal e profissional o compromisso com a justiça social, o acolhimento e a luta por equidade. Ela migrou para Belo Horizonte em busca de oportunidades de estudo e trabalho, e desde então tem ocupado espaços estratégicos na sociedade civil, com forte atuação em políticas públicas, pastorais sociais e no Terceiro Setor. 

“Minha trajetória no Terceiro Setor teve início formal em 2015, mas o envolvimento com iniciativas sociais e pastorais vem desde antes. Sempre acreditei no poder do coletivo e na transformação social por meio da escuta e da partilha”, afirma. 

Formada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Patrícia também se especializou em Conciliação e Mediação de Conflitos. Atualmente e é conselheira em diversos espaços: integra o Conselho Estadual da Juventude pela Pastoral da Juventude Leste II (CNBB), coordena a Pastoral da Juventude na Arquidiocese de Belo Horizonte, é membro da Pastoral Afro Brasileira da Província Eclesiástica da capital mineira e representa a sociedade civil em dois conselhos municipais — o de Assistência Social de Belo Horizonte e o dos Direitos da Pessoa Idosa em Contagem.

Patrícia cita os principais desafios enfrentados por mulheres negras: desigualdade salarial, baixa representatividade em cargos de decisão e sub-representação política. “Sofremos os impactos do racismo, do patriarcado e da invisibilidade. Mas seguimos firmes. Somos guerreiras. Existimos, resistimos, estamos organizadas e em movimento”, enfatiza. Para ela, o Terceiro Setor é um espaço estratégico de acolhimento e também de disputa simbólica e política.

“É um território de luta coletiva, onde promovemos dignidade humana e cidadania. Um espaço que precisa reconhecer as mulheres negras não apenas como mão de obra ou voluntárias, mas como lideranças legítimas. Esse espaço também é nosso — e temos orgulho de ocupá-lo”, afirma Patrícia.

A  atividade sobre a atuação feminina no Terceiro Setor também teve a presença de representantes do  projeto Diálogos pela Liberdade, mantido pelo Instituto das Irmãs Oblatas do Santíssimo Redentor. As participantes desse projeto desenvolvem um trabalho de escuta e acolhimento no hipercentro de Belo Horizonte, onde cerca de 2.500 mulheres, segundo cálculos da Prefeitura de BH, vivem e sobrevivem exercendo a prostituição.

Foi com esse mesmo objetivo que, em 2024, o Sistema Divina Providência recebeu 40 mulheres em situação de prostituição, encaminhadas pelo projeto Diálogos pela Liberdade. Joana Lídia Lopes, coordenadora do Núcleo de Acolhimento e Travessia (NAT), acompanhou de perto cada história. “Por ser uma parceria nova e com um público sensível, fiz questão de entrevistar pessoalmente cada mulher. Queria entender suas dores, seus desejos e respeitar suas escolhas. Foi um mergulho respeitoso e transformador.”

Segundo pesquisa do Fundo Agbara, apenas 7% dos fundos filantrópicos no Brasil são destinados a organizações lideradas por pessoas negras. Entre as iniciativas comunitárias chefiadas por mulheres negras, menos de 10% conseguem manter apoio contínuo. “Muitas vezes, precisamos saber estabelecer limites de atuação. Acabamos nos entregando por completo à causa, encarando o trabalho como missão”, comenta Keila Castro, mulher negra, coordenadora do projeto Diálogos pela Liberdade. Parcerias e ações conjuntas com organizações como o Sistema Divina Providência fortalecem a visibilidade que deve ser dada à importante trajetória das mulheres negras no Terceiro Setor.
 
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