(Riva Moreira)
Dez milhões de reais. É esse o valor das multas acumuladas em um ano e meio pelas empresas de ônibus de Belo Horizonte por retirar os cobradores das viagens, desrespeitando a lei. Elas terão o nome inscrito na dívida ativa, o que pode tornar o imbróglio ainda maior.
Rodar sem o agente de bordo é permitido apenas aos domingos, feriados e horário noturno. Porém, só no primeiro semestre deste ano, foram mais de 5 mil autuações devido à ausência do trocador. Um crescimento de 50% em relação ao mesmo período de 2018. Nenhuma multa foi paga.
A nova penalidade às empresas, que poderão ficar com o “nome sujo”, foi antecipada pelo presidente da BHTrans, Célio Bouzada. Na prática, caso os valores não sejam quitados, as concessionárias poderão perder o direito de celebrar contratos e até ter bens penhorados.
Além disso, segundo a Secretaria Municipal de Fazenda, os débitos sofrem “acréscimos legais relativos a multa moratória e juros de mora”. Ou seja, a dívida pode aumentar.
Rotina
Pela cidade, encontrar um coletivo com cobrador é algo raro. O Hoje em Dia esteve em cinco linhas que passam pela região Oeste da capital, durante o horário de pico, e não achou os agentes de bordo em nenhuma.
Os motoristas consideram a decisão injusta e afirmam estar sobrecarregados. Além do estresse, alegam que a dupla função elevou o tempo das viagens.
“Acabou, não existe mais esse posto de trabalho. Quem cobra no dinheiro, quando precisa, somos nós. É ruim, inclusive, para o passageiro, mas agora é acostumar”, relata um condutor, durante trajeto pela avenida Augusto de Lima.
Quem utiliza o transporte público diz que já está acostumado com a ausência dos profissionais, mas critica a postura das empresas. “Se você olhar a quantidade de pessoas que pagam no cartão, o cobrador realmente não faz falta. Mas repassar essa função para o motorista é cruel”, alega o aposentado Paulo Rizzi, de 57 anos.
Sobrecarga
Advogado e mestre em Direito do Trabalho, Antônio Queiroz afirma que a função do cobrador tende a desaparecer para dar lugar a novas tecnologias. No entanto, ressalta o especialista, não é isso que tem acontecido no caso de Belo Horizonte.
“O que observamos é que os motoristas absorvem essa função. Com isso, há precarização das condições de trabalho”, analisa. A maior urgência, destaca Queiroz, é fazer com que 100% dos passageiros utilizem o cartão magnético. “Ainda assim, o acesso dos cadeirantes e idosos aos ônibus continuará sendo um problema. Não é uma questão simples de resolver”.
Função dos cobradores tende a desaparecer por completo, apontam especialistas
O impasse envolvendo as empresas de ônibus já chegou ao Ministério Público (MP). O órgão estadual afirmou que a 16ª Promotoria de Justiça de Defesa de Habitação e Urbanismo de BH instaurou, em 10 de junho, inquérito civil para apurar o caso.Riva Moreira / N/A
Cadeira de trocador vazia é rotina em BH
Enquanto isso, entidades representativas dos trocadores alegam que a maioria dos trabalhadores está sendo desligada, sem a oportunidade de ser transferida a outro posto. Coordenadora do Movimento Sem Cobrador Não Dá, Cléo Olímpio estima que, em toda a capital, não existam mais do que cem agentes de bordo em atuação.
“E esse número pode ser até menor. As empresas fecharam os olhos para a lei”, critica Cléo. A situação, segundo ela, deixou um sem-número de ex-funcionários prejudicados. “Tenho colegas que estão passando necessidade. É muito sério”, diz.
Dívidas
Para especialistas em mobilidade urbana, é pouco provável que as empresas paguem integralmente as multas, uma vez que a dívida pode ser prescrita em cinco anos. Professor universitário de Engenharia de Transporte e Trânsito, Márcio Aguiar afirma que a situação não é boa para nenhum dos lados.
“Sob o ponto de vista técnico, não existe mais a necessidade de trocadores. Mas o problema é amplo e precisa ser resolvido. A tarifa está muito alta para o usuário e muito baixa para a concessionária. O que pode ser feito?”, questiona.
Para o professor de Segurança Viária do Cefet-MG, Agmar Bento, por mais que haja revolta, a população precisa aceitar o fim desta profissão no transporte coletivo. No entanto, ele pondera que novas formas de pagamento precisam ser desenvolvidas.
“Caso contrário, a tensão tende a aumentar. O trabalho de motorista já é estressante. Agora, eles tendem a acelerar mais para compensar o tempo perdido ao cobrar as passagens no dinheiro, uma vez que os horários precisam ser cumpridos”, alerta.
Por nota, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (Setra-BH) informou que “orienta as empresas associadas a circularem com o agente de bordo nos horários determinados pela legislação. A ausência do profissional somente é indicada em horários nos quais é permitida e em linhas legalmente autorizadas, o que inclui as troncais e alimentadoras”.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) informou, por meio da assessoria de imprensa, que “os magistrados entendem que, pelo fato de o caso estar ainda sendo julgado, não podem se pronunciar a respeito”.