(Marcelo Prates/Arquivo/Hoje em Dia)
Enquanto ganha mais um capítulo na história, ao completar 122 anos, Belo Horizonte registrou, em páginas recentes, cenas de ódio e intolerância. O charme da metrópole deu lugar a revoltantes casos de violência contra mulheres, episódios de racismo e atos de vandalismo contra um dos maiores patrimônios da cidade: o Mineirão.
Em meio a uma série de ataques, o Hoje em Dia, para celebrar o aniversário da capital, mostra que pequenas atitudes são capazes de transformar essa realidade. Cada belo-horizontino tem, nas próprias mãos, o poder de mudar a si e ao próximo.
O ex-jogador de futebol Diogo Nunes, de 30 anos, entendeu a responsabilidade que tem. Hoje, ensina o respeito a 120 jovens do Aglomerado da Serra, na região Centro-Sul, além de prepará-los para as adversidades nas partidas. Para ele, o amor pelo esporte não justifica o comportamento das pessoas que destruíram parte do “Gigante da Pampulha”, no último domingo.Marcelo Prates/Arquivo/Hoje em Dia
“No campo, ou fora dele, nem sempre o resultado vai ser do nosso agrado. Essa situação causa uma influência ruim, mas tento trabalhar justamente o contrário, sempre pela paz”, explicou o treinador. Cruzeirense “roxo”, Diogo integrou a base do Atlético por sete anos. “É preciso saber jogar o jogo sem querer eliminar o adversário”.
Na sala de aula, respeito, empatia e responsabilidade. Essa é a premissa do cabo Gilberto Leão, de 42, que faz parte do Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd), desenvolvido pela PM.
Há 12 anos, faz questão de estar em instituições públicas de ensino mostrando às crianças a importância de se desenvolver boas atitudes em busca de uma cidade mais justa. “É gratificante saber que contribuo para que a capital seja melhor para todos”, afirma.
Aluna da Escola Estadual Barão de Macaúbas, na zona Leste, Manoela Pereira, de 10, garante que pratica o que aprende no Proerd. “Quero repassar todos esses ensinamentos para os meus familiares. Sonho com uma cidade melhor para morar e, para isso, vou fazer minha parte”, disse a garota, que participou, ontem, da formatura do programa no Teatro Francisco Nunes, no Parque Municipal.
Suporte
Lição
Quem também luta por uma metrópole mais harmônica é Joyce Oliveira, de 33 anos. A missão dela é ajudar mulheres violentadas pelos companheiros. Em BH, nos primeiros dez meses deste ano, 15 mil casos do tipo chegaram à Polícia Civil.
Integrante da ONG Mulheres Unidas pelo Brasil, ela passou a defender a causa por também ter sofrido agressões em um relacionamento abusivo. Para sair da situação, contou com a ajuda de familiares e até desconhecidos. “É fundamental dar força para que tenham coragem de denunciar. Mas também é essencial que saibam que não estão sozinhas. Trabalho para que a capital se livre dessa triste estatística”, diz Joyce.
Com um trabalho de formiguinha, a aposentada Myriam Salum, de 63, começou a estudar sobre o movimento LGBT. Sabia que o filho era gay. Porém, se assustou ao ser apresentada a dados alarmantes – O Brasil é o país onde mais se mata a população trans, que tem uma expectativa de vida de apenas 35 anos. Foi aí que ela iniciou, em 2017, uma saga para reunir o grupo “Mães pela Diversidade” em Minas. Hoje, mais de 200 compõem o coletivo.
Entre as ações da ONG, rodas de conversa, palestras e até mesmo presença em eventos temáticos, como blocos carnavalescos. “O risinho na esquina mata nossos filhos. Mata sonhos, mata projetos. E o ódio, a gente combate com amor”, se emociona Myriam, alegando que, nos últimos tempos, muitos pais também “têm saído do armário”. “Nossa militância é na paz, com alegria”.
“O ódio, a gente combate com amor”, diz militante LGBT
E com alegria, atabaques e congado, Maurício Tizumba, de 62, resiste em “uma das cidades mais racistas do Brasil”, diz. Idealizador do Tambor Mineiro, espaço cultural que mantem oficinas permanentes ao público, o multiartista alega que o negro sempre esteve à margem na capital, mas que, desde 2002, quebrar preconceitos tem sido comum na metrópole.
“A partir do momento em que usamos, e temos acesso, à música, à educação e à saúde, a paz vem. É uma consequência. Do contrário, fica cada um com sua paz, no seu mundinho, o que não é real”, descreve Tizumba, que faz atividades em penitenciárias e comunidades carentes.
Reflexo
Os casos recentes de violência em BH são reflexo de uma tendência que se espalha não só pelo Brasil, mas mundo afora. Doutora em Sociologia da Cultura, Cristina Leite explica que regras, até então pré-estabelecidas e firmadas na sociedade, têm sido quebradas.
“As instituições precisam de normas que garantam uma sociedade coesa, disposta ao diálogo”, considera a especialista, que vê com bons olhos pequenas atitudes no cotidiano. “São trabalhos que podem tocar alguém próximo”.