(Editoria de Arte)
Irregularidades em convênios do governo federal com Organizações Não Governamentais (ONGs) não são difíceis de se encontrar, seja por falha na fiscalização dos próprios ministérios ou erro das entidades que fazem mau uso do dinheiro público enquanto deveriam atuar para servir à população. O volume de convênios que está na “lista negra” da Controladoria-Geral da União (CGU) é que chama a atenção: mais de 4.300 até esta semana.
O Ministério do Turismo reúne o maior número de convênios considerados irregulares. São 788 parcerias com ONGs que apresentaram problemas, 18% do total de convênios que constam no Cadastro de Entidades sem Fins Lucrativos Impedidas da CGU.
A inserção de organizações no cadastro da CGU acontece quando há desvio de recursos, sobrepreço, omissão ou atraso na prestação de contas e serviços não executados. Depois que uma entidade passa a integrar o cadastro, fica impedida de receber recursos federais.
Em seguida, no ranking dos ministérios com mais convênios irregulares, está o Ministério do Desenvolvimento Agrário, com 727 parcerias que foram rompidas. O Ministério da Cultura aparece logo depois na lista, com 487 convênios que apresentaram irregularidades.
Somente a Associação Sergipana de Blocos de Trio cometeu erros em 69 convênios com o Ministério do Turismo antes de integrar a lista de ONGs impedidas da Controladoria.
Mais da metade dos convênios tiveram problemas na hora de prestar contas. Em quase 20% dos casos, foi necessária a instauração de Tomada de Contas Especial, quando a União pede o ressarcimento de eventuais prejuízos que lhe foram causados após se esgotarem as medidas administrativas para reparação do dano.
ATRASO
Segundo a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais, existem 350 mil fundações privadas e associações sem fins lucrativos no Brasil. Uma das diretoras da associação, Eleutéria Amora, afirma que falta acompanhamento e que o atraso no repasse das parcelas é um dos motivos para tantas irregularidades. “Os convênios não beneficiam as organizações e o problema só é visto quando a situação já é irremediável”.
MINAS
Dentre as organizações mineiras que constam na lista de impedidas da CGU, está a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em Minas (Abrasel-MG). De acordo com o órgão, a entidade encontra-se inadimplente por causa de um convênio no valor de R$ 200 mil, utilizado para realização de um encontro internacional de chefs em Belo Horizonte, em 2007.
Por meio de nota, a instituição afirmou que “já entregou a prestação de contas do convênio duas vezes, dentro dos prazos, ao Ministério do Turismo, em 2013”. Da primeira vez, os documentos teriam sido perdidos pelo órgão. O ministério informou que o processo está em análise.
PRESO - Deivison de Oliveira, da organizaçaõ do IMDC, é apontado como chefe de uma quadrilha de desvios e recursos (Foto: Lucas Prates/Hoje em Dia)
IMDC realizou mais de R$ 400 milhões de convênios de fachada com o governo federal
Há todo tipo de irregularidade em convênios entre ministérios e entidades sem fins lucrativos. Até ONGs de fachada que só existem no papel para receber o dinheiro. O último caso de grande repercussão em Minas Gerais foi o da Oscip Instituto Mundial do Desenvolvimento e da Cidadania (IMDC), entidade sem fins lucrativos com sede em Belo Horizonte que realizava convênios de fachada com o Ministério do Trabalho.
Em um prazo de cinco anos, segundo a Polícia Federal (PF), pelo menos R$ 400 milhões saíram do ministério e foram parar nos cofres do IMDC.
Presidente da entidade, o empresário Deivson de Oliveira Vidal, apontado como o líder da organização criminosa e principal operador financeiro do esquema de desvios, foi preso na Operação Esopo da PF, pela primeira vez, em setembro de 2013. Ele também teve os bens bloqueados. A lista inclui imóveis, carros de luxo, dinheiro e um helicóptero.
Deivson foi solto e detido novamente no ano passado, mas, desta vez, por estupro. O crime, conforme a Polícia Civil, ocorreu na mansão luxuosa do condomínio Aphaville, em Nova Lima, Região Metropolitana. Ele está recluso na Penitenciária de Segurança Máxima Nelson Hungria, em Contagem, na Grande BH.
CONTROLE
A Controladoria-Geral do Estado ainda não possui um cadastro de ONGS impedidas de firmar convênios com o governo de Minas, nos moldes do que tem o governo federal. De acordo com a assessoria de imprensa do órgão, criar essa lista está entre os projetos de reestruturação da CGE de Minas, comandada pelo controlador-geral do Estado, Mário Spinelli.
Marco regulatório entrará em vigor no dia 26 de julho
Três anos após a divulgação de uma série de casos de corrupção envolvendo ONGs e ministérios, o governo sancionou o marco regulatório das organizações da sociedade civil, que entrará em vigor no dia 26 de julho. A nova lei torna mais rígidas as regras para celebração de contratos entre entidades sem fins lucrativos e os governos em todas as esferas.
“Essas entidades, que até então recebiam dinheiro público e faziam prestações de contas num modelo muito simplificado, a partir da nova regra terão que prestar contas de forma mais detalhada, quase nos moldes do poder público”, explica o presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG), Sebastião Helvécio.
O marco institui diretrizes mais rígidas para nortear a relação entre governo e organizações, seja por meio de parcerias voluntárias ou por transferência de recursos. Ele determina, por exemplo, que para serem contratadas as ONGs precisarão participar de um processo seletivo por meio de chamada pública. O edital deverá especificar o objeto da parceria, datas e prazos, além da apresentação das propostas e dos valores previstos.
Além disso, as organizações deverão ter pelo menos três anos de existência e terão que comprovar experiência prévia e capacidade técnica e operacional na atividade que será desenvolvida. As entidades terão que provar ainda que não descumpriram obrigações em parcerias anteriores.
ADAPTAÇÃO
Em fevereiro deste ano, foi aprovada uma medida provisória que adiou a entrada em vigor do marco regulatório para julho, após reclamações de diversas associações que alegaram precisar de mais tempo para se adequar.
A diretora da Abong, Eleutéria Amora, explica que, para as organizações que possuem convênios antigos, a regra permanece a mesma até o término da vigência. “Os convênios já existentes vão até o seu termino, não serão interrompidos. À medida em que eles forem terminando, os próximos termos entram na nova modalidade”.
Para facilitar a adaptação dos órgãos públicos e das entidades, o TCE-MG aposta num treinamento para gestores que realizam convênios com as ONGs e também para as diretorias das entidades. “Estamos treinando as duas fontes. Desta forma, a expectativa é que a prestação de contas será feita dentro dessa qualidade que passa a ser exigida agora”, ressalta Sebastião Helvécio.
Eleutéria analisa o marco regulatório como um avanço, mas diz que as entidades querem incentivos. “Ainda temos desafios, lutamos pela simplificação dos tributos e por incentivos da receita federal, como abatimento de impostos para quem fizer doações para as entidades”.
Segundo ela, muitas ONGs têm problemas junto ao Fisco. O parcelamento das dívidas é outra reivindicação. “É necessário um parcelamento suave, para que as nossas ONGs possam se readequar, disputar recursos das mais várias formas possíveis e ter contas transparentes”, conclui.