(LUCAS PRATES)
Tratamentos e procedimentos médicos de alta complexidade obrigam moradores do interior a buscar socorro, diariamente, em hospitais de Belo Horizonte. Sem a oferta do serviço em muitas cidades mineiras, os pacientes enfrentam longas e perigosas jornadas nas rodovias que cortam o Estado para chegar à capital. Em alguns casos, são percorridos até 600 quilômetros em viagens que duram mais de sete horas.
O risco a que motoristas, doentes e familiares estão expostos nas estradas remete a um grave acidente registrado na segunda-feira na BR-381, em São Gonçalo do Rio Abaixo, na região Central, que deixou quatro mortos. Não há estatísticas policiais dessas ocorrências, mas mapeamento feito pelo Hoje em Dia apontou pelo menos 25 óbitos e 134 feridos, só neste ano, envolvendo veículos que transportavam pacientes.
Demanda
Atualmente, mais de 40% das internações em hospitais da metrópole que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS) são de pessoas de outras cidades. Quem vem a BH para fazer as consultas não esconde o medo ao trafegar nas pistas consideradas precárias.
Ontem, cerca de 30 automóveis estavam estacionados na Praça Hugo Werneck, próximo à Santa Casa, região Leste de BH. No espaço de aproximadamente cem metros, carros de passeio, ambulâncias, vans e micro-ônibus com placas de diversos municípios.
Charles Lutfala, de 69 anos, era um dos condutores que estavam no local. Religioso, carrega um terço no retrovisor do veículo e diz que “sempre reza antes de sair de casa” na hora de seguir pela BR-381. Segundo ele, as imprudências nas rodovias são constantes. “Temos hospitais bons nas redondezas, mas, dependendo da demanda, é preciso vir a Belo Horizonte”, conta o motorista de Perdões, no Centro-Oeste de Minas, a 213 quilômetros da capital.
Especialista em engenharia de transporte e trânsito, Márcio Aguiar acredita que, assim como a rede de atendimento, a “saúde das estradas é precária”. Ele alerta que, em alguns casos, o paciente corre o risco de perder o procedimento. “Em algumas rodovias, quando congestionadas, a pessoa chega a ficar horas numa ambulância”.
Em nota, o Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem (DEER/MG) informou ter investido, desde 2015, R$ 2,2 bilhões em obras rodoviárias. O valor inclui pavimentação, melhoramento e manutenção das pistas, pontes e viadutos. Atualmente, das 40 regionais do órgão, 38 já estão com o contrato de manutenção em execução, e as duas restantes em fase final de assinatura.
Também por nota, o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (Dnit) disse que uma das principais obras de infraestrutura do Brasil é a duplicação da BR-381. A intervenção é priorizada pelo órgão. Os trabalhos já começaram e giram em torno de R$ 5 bilhões.
Lucas Prates
Só ontem, cerca de 30 veículos do interior levaram pacientes para buscar atendimento em BH
Capital é referência em procedimentos de alta complexidade
Belo Horizonte é o local procurado pelos demais 852 municípios do Estado quando a busca é pela alta complexidade. Tratamentos para doença renal crônica, oncologia, cirurgia cardiovascular, exames de ressonância e tomografia são alguns exemplos de atendimentos feitos na capital.
Pela primeira vez na metrópole, a consultora Eleuza Lopes, de 39 anos, trouxe o filho Matheus, de 11, para um exame com um neuroftalmologista. Segundo ela, que é moradora de São Gotardo, no Alto Paranaíba, o procedimento só pode ser feito em BH. A mulher conta ter ficado apreensiva durante a viagem de mais de cinco horas em um micro-ônibus com outros pacientes. “A gente tem medo”, resume.
Outros procedimentos
Com relação à média complexidade, Belo Horizonte atende a pacientes de 700 cidades mineiras. Já consultas especializadas somam ao todo 155 mil por mês, sendo 25% de moradores do interior.
Presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos de Minas Gerais (Federassantas), Kátia Rocha diz ser importante criar uma rede de atendimento. “Quantas vezes a gente vê um município de 10 mil habitantes querendo ter uma maternidade, quando ele deveria investir na atenção básica. Dependendo da situação, nem muitas especialidades deveria ter. O essencial é garantir o acesso para cidades de maior porte”.
Para Kátia Rocha, os longos deslocamento deveriam ser limitados. “Apenas atendimentos como por exemplo os transplantes múltiplos, que demandariam realmente estruturas mais centralizadas, por exemplo, na capital”, completa.
Acesso aos serviços
Em nota, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) informou que, como é previsto na Constituição, todas as cidades devem ter acesso a esses serviços, seja por estabelecimento próprio ou em outras localidades. Conforme a pasta, cada um dos 853 municípios é responsável por garantir a saúde dos moradores na atenção primária, como unidades básicas, vacinação e controle da dengue. Quando outros procedimentos mais complexos não são oferecidos, é necessária a pactuação com outras prefeituras, “sendo assim muitas vezes necessário a realização de deslocamento para Belo Horizonte e outros grandes centros”.Lucas PratesEleuza levou o filho Matheus para um exame com um neuroftalmologista
A SES garante incentivar a criação de redes assistenciais “e, para tanto, a pactuação dos recursos financeiros do SUS entre os municípios que pertencem à mesma região, de modo a fortalecer o atendimento mais próximo, no sentido de evitar grandes deslocamentos para centros como Belo Horizonte”. Atualmente, a secretaria se organiza em nível assistencial em 77 regiões de saúde, sendo que cada tem três municípios pólos. O Ministério da Saúde foi procurado para falar sobre o assunto, mas não retornou até o fechamento desta edição.
(Com colaboração de Bruno Inácio e Malú Damázio)