(Frederico Haikal)
MARIANA – Sobre o rudimentar torno de modelagem, movido por uma roda d’água, a pedra-sabão gira. Com cuidado e atenção, o artesão usa uma talhadeira para esculpir e dar o acabamento. Basta meia hora e o pedaço de rocha é transformado em utensílio doméstico. O jeitinho mineiro de fabricar panelas de pedra-sabão, tradição colonial que remonta a quase 300 anos no distrito de Cachoeira do Brumado, em Mariana, na região Central, poderá ser registrado como patrimônio cultural imaterial. O pedido oficial para a obtenção do título – uma espécie de tombamento – será entregue ao Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG). A solicitação será feita pelo Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Mariana (Compat). “O objetivo do registro não é simplesmente gerar um selo de qualidade para o produto, e sim manter esse ofício vivo e dar mais visibilidade às obras de arte feitas pelos artesãos”, destaca a presidente do Compat, Olga Tukoff. Ganha-pão Conhecida pela riqueza e variedade do artesanato, Cachoeira do Brumado, a 27 quilômetros de Mariana, surgiu nos primórdios do século 18. Hoje, 2.300 pessoas moram no distrito, que tem na fabricação de panelas de pedra-sabão e na confecção de tapetes de sisal as principais atividades econômicas. Em rápida caminhada pelas ruas estreitas do povoado é fácil se deparar com ateliês improvisados. Na maioria dos casos, a oficina fica nos quintais das residências. Em todos os locais, o discurso é o mesmo: “aqui o trabalho de esculpir panela é repassado de pai para filho”. O artesão mais antigo em atividade é “seu” Gegê Barbudo, apelido de Geraldo José Teixeira, de 62 anos. A oficina dele é uma das remanescentes da época em que o torno funcionava sem eletricidade. Lá, a energia é gerada por uma queda d’água junto a um moinho. Na hora de esculpir, é como se ele estivesse em casa. Bem à vontade, o artesão usa chinelo e está sempre sem camisa e com o mesmo boné rasgado. Além de habilidoso na fabricação das peças, ele também é “cobra criada” na arte das palavras. Sorridente e todo prosa, não perde a chance de deixar um ensinamento. “A roda d’água, o couro no lugar da borracha para fazer o torno girar, o acabamento feito a mão... enfim, aqui é tudo velho, porque gosto do que é de ontem. O antigo tem mais valor. Prova disso é que os turistas vêm a Mariana para ver as construções do século passado”, orgulha-se o homem, que é nascido, criado e residente em Cachoeira do Brumado. Do estilo colonial para a modernização. Próximo à oficina de Gegê Barbudo, mais um exemplo evidente de que o distrito tem na pedra-sabão o alicerce da história. Dono de uma fábrica, Vicente Paulo de Carvalho, de 35 anos, tem quatro funcionários e ainda conta com a ajuda da esposa e dos filhos, de 9 e 14 anos, para produzir as panelas. Todas as peças são feitas com maquinário profissional. Além das panelas, formas de pizza estão entre as especialidades do espaço, que comercializa as peças para várias cidades mineiras e até outros estados. “São muitas encomendas. Às vezes, nem dá para atender a todos no tempo pedido. Mas não falta determinação, sempre recompensada após o trabalho estar pronto”, afirma Vicente Carvalho.
Adornos em cobre, como as alças, são o toque final antes de as panelas irem para as prateleiras (Foto: Frederico Haikal/Hoje em Dia) Gestão profissional para trabalho artesanal Na tentativa de capacitar os artesãos de Cachoeira do Brumado e torná-los empreendedores, a Prefeitura de Mariana vai firmar uma parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Até março, serão promovidas consultorias para melhorar a gestão do negócio das panelas de pedra-sabão. “Mais do que melhorar a qualidade de vida dessas pessoas, o foco é ampliar a geração de renda e até mesmo os postos de trabalho”, diz o secretário de Desenvolvimento Econômico de Mariana, Helielcio Vieira. Levantamento O perfil dos produtores está sendo elaborado pela Associação dos Artesãos e Produtos Caseiros de Cachoeira do Brumado. Entusiasmada com as medidas anunciadas, a presidente do grupo quer aproveitar o momento para cobrar outras melhorias. “A possibilidade de tornar a atividade um bem imaterial, e as consultorias, empresariais, vai aumentar a autoestima dos artesãos, dar mais visibilidade aos produtos e valorizar nossa história”, diz. “Porém, temos que profissionalizar a atividade. A questão da segurança ainda é pouco debatida. As pessoas não utilizam luvas, óculos nem proteção para o nariz. É muita poeira e um risco à saúde”, aponta Cleusa Ulhôa. Tema para discussão Na próxima quinta-feira, o Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Mariana vai debater o assunto em reunião.
Se o pedido para tornar o modo de fabricar as panelas patrimônio imaterial for aceito pelo Iepha, o processo de registro passará por uma espécie de inventário. O trabalho irá identificar os principais artesãos e apresentar informações detalhadas sobre todas as etapas de fabricação das peças. Segundo a assessoria do Iepha, “o instituto tem interesse de aprofundar as pesquisas e já existe um levantamento preliminar sobre a técnica”. Além de valorizar a história, a proteção traz novas responsabilidades. Políticas públicas específicas para a atividade deverão ser desenvolvidas e recursos serão empenhados na valorização do artesanato. Potencial turístico ainda é desprezado Fabricadas em Cachoeira do Brumado, as panelas de pedra-sabão têm como principais pontos de venda o Centro de Mariana, cidades do entorno como Ouro Preto e Congonhas e as margens da BR-040, que liga Belo Horizonte ao Rio de Janeiro. As peças também são comercializadas em outros estados, principalmente Goiás e Espírito Santo. O potencial turístico do artesanato, no entanto, ainda é pouco explorado, conforme revela a Associação dos Artesãos e Produtos Caseiros de Cachoeira do Brumado. “Não existe um circuito do artesanato. Quem vem ao distrito, na maioria das vezes, teve a orientação de um amigo ou conhecido”, afirma a presidente da associação, Cleusa Ulhôa. Surpresa Prova disso é a percepção dos turistas. Em viagem com a família por Mariana, a carioca e advogada Miriam Bueno, de 45 anos, ficou admirada com as panelas de pedra e comprou sete peças para levar ao Rio.
“Fiquei encantada com a riqueza de detalhes. Me disseram que são ótimas para fazer feijão. Queria conhecer o lugar onde são feitas”, disse Miriam. De olho no potencial que pode ser explorado durante e após a realização da Copa do Mundo, a coordenadora de Turismo da Prefeitura de Mariana, Lívia Araújo Duarte Castro, disse que a administração municipal pretende elaborar um roteiro turístico com informações e passeios para os distritos da cidade. Cachoeira do Brumado será inserida na proposta. Potencial turístico ainda é desprezado Fabricadas em Cachoeira do Brumado, as panelas de pedra-sabão têm como principais pontos de venda o Centro de Mariana, cidades do entorno como Ouro Preto e Congonhas e as margens da BR-040, que liga Belo Horizonte ao Rio de Janeiro. As peças também são comercializadas em outros estados, principalmente Goiás e Espírito Santo. O potencial turístico do artesanato, no entanto, ainda é pouco explorado, conforme revela a Associação dos Artesãos e Produtos Caseiros de Cachoeira do Brumado. “Não existe um circuito do artesanato. Quem vem ao distrito, na maioria das vezes, teve a orientação de um amigo ou conhecido”, afirma a presidente da associação, Cleusa Ulhôa.