(Frederico Haikal/Hoje em Dia)
Atire a primeira pedra quem nunca tirou nem postou uma selfie. Sucesso nas redes sociais, os autorretratos vêm ganhando cada vez mais adeptos. Somente no Instagram, a hashtag “selfie” acumula mais de 295 milhões de resultados. Tanta exposição tem promovido uma corrida às clínicas de cirurgia plástica. Tudo para sair bem na foto. Estudo realizado no início deste ano pela Academia Americana de Cirurgia Facial Plástica e Reconstrutiva apontou um aumento de 10% no número de rinoplastias (cirurgias no nariz), de 7% nos transplantes de cabelo e de 6% em cirurgias de pálpebras nos Estados Unidos, em 2014, na comparação com 2013. O levantamento mostra ainda que um em cada três cirurgiões plásticos no país observou crescimento na procura por procedimentos estéticos, motivada pela maior exibição na internet. Alguns já apelidaram esse movimento de “facelift Facebook”. Beleza virtual No Brasil, embora não existam pesquisas sobre a relação dessas intervenções com a onda de selfies, os médicos também perceberam mais interesse pelos “retoques” nos últimos anos, e pelas mesmas razões. “Toda hora as pessoas tiram fotos e, se têm algum defeito, só enxergam ele. Os mais jovens, de 25 anos para baixo, comentam muito sobre essa preocupação e falam o tempo todo das fotos instantâneas”, afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP-MG), Antônio Carlos Vieira. Segundo ele, os procedimentos de menor complexidade são os mais buscados, como rinoplastia, otoplastia (cirurgia nas orelhas), aplicação de toxina botulínica (botox) e cirurgia de pálpebras. Atenção Atualmente, o Brasil ocupa a vice-liderança no ranking mundial de países que realizaram mais procedimentos estéticos. No caso das cirurgias de correção das pálpebras, o país aparece em primeiro lugar, com 11,3% do total. Nos registros de aumento dos seios, lipoaspira-ção, enxerto de gordura, rinoplastia e abdominoplastia, os brasileiros estão na segunda colocação, de acordo com a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética. A estudante de ciências sociais Hanna Simões, de 21 anos, engrossa as estatísticas. Há um ano e meio, ela operou o nariz – por causa de bullying entre os colegas de escola. Apesar de a motivação principal não ter sido a exposição nas redes sociais, reconhece que elas também influenciaram na escolha. “Acho que, indiretamente, isso pesou sim. A gente tem essa necessidade de enquadramento, mesmo que seja imposta”, considera, e emenda: “nossas percepções são muito daquilo que a sociedade impõe”. Pacientes com menos de 25 anos: presença comum nas clínicas O excesso de preocupação com a aparência e as consequentes modificações no próprio corpo fizeram soar o alerta entre médicos brasileiros. De acordo com o professor do curso de medicina e chefe da cirurgia plástica da UFMG, Paulo Roberto da Costa, o cenário atual tem sido muito discutido pelos profissionais. “Hoje, o contato via rede social é como um encontro online, que gera preocupações, inclusive, com a estética, haja vista essa onda de selfies, com pessoas fazendo ‘caras e bocas’. Cabe à gente entender a expectativa do paciente e expor a ele claramente que ela pode ser atendida em partes, em alguns casos, e, em outros, não”, afirma o médico. A faixa etária dos pacientes também tem chamado a atenção. Se antes as intervenções cirúrgicas e estéticas eram quase exclusivas daqueles acima de 40 anos, agora já fazem parte da rotina dos que têm menos de 25. “Não tenho a menor dúvida de que a idade média dos pacientes diminuiu”, diz Costa. Vaidade de sobra Para a doutora em Psicologia Maria Clara Jost, essa mania de selfie é uma característica da cultura contemporânea, extremamente voltada para a aparência, ao espetáculo e à vontade de aparecer. Embora não seja negativo, esse movimento pode tornar-se prejudicial. “Ficar bem na foto começa a ter um valor bem acima do que precisa ter e isso indica alguma coisa muito errada. Quando as pessoas entram nesse desequilíbrio, mostram que não estão bem com elas mesmas”. Uma das consequências mais graves, na avaliação de Maria Clara, é a frustração de quem busca nas cirurgias plásticas a solução para problemas de origem emocional.