(Malú Damázio / Hoje em Dia )
De cada dez crianças e adolescentes que vivenciaram a tragédia de Fundão, em Mariana, na região Central do Estado, após o rompimento da barragem da Samarco, quatro estão com depressão. Os dados, divulgados pela Faculdade de Medicina da UFMG, mostram ainda que 83% dos menores de 18 anos apresentaram sintomas de transtorno de estresse pós-traumático, como insônia e irritabilidade.
Os resultados do estudo deixam as famílias em alerta. É o caso da lavradora Maria do Carmo Silva D’Ângelo, de 44 anos. A mulher morava com a família em Paracatu de Cima, distrito atingido pelos rejeitos de minério, e teme que o filho mais novo, Artur, de 6, piore o rendimento na escola e desenvolva alguma doença.
O garoto fica ansioso durante temporais. “Ele associou enchente e chuva à lama que chegou até a nossa casa”, conta Maria do Carmo. A lavradora tem depressão e também foi diagnosticada com síndrome do pânico.
A pesquisa por amostragem foi feita pela UFMG em parceria com a Cáritas, organização humanitária da Igreja Católica que auxilia os atingidos pelo desastre. Ao todo, 271 pessoas, de 10 a 90 anos, foram ouvidas.
Temor
Os números apontam, ainda, que a taxa de depressão entre todos os participantes foi de 29%. O índice é cinco vezes maior do que o registrado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para a população brasileira em 2015, ano em que Fundão se rompeu.
Além disso, de acordo com o levantamento, as vítimas da barragem apresentam níveis de estresse pós-traumático semelhantes ao desenvolvido por quem presenciou o acidente nuclear de Fukushima, no Japão, em 2011, e do atentado ao World Trade Center, nos Estados Unidos, em 2001.
O resultado do estudo preocupa os pesquisadores. Segundo eles, a expectativa era a de encontrar sintomas “mais brandos” devido ao tempo decorrido desde o rompimento da barragem. “O fator estressor não passou, caso contrário não encontraríamos níveis tão altos de estresse pós-traumático. A abordagem oferecida não é suficiente”, aponta o coordenador da pesquisa, Frederico Garcia, também professor do departamento de saúde mental da Faculdade de Medicina.
Desânimo
Assim como Maria do Carmo, o marido dela, Marino D’Ângelo, toma antidepressivos. Produtor de leite há 30 anos, o homem não tem ânimo para trabalhar e passou a ter episódios frequentes de esquecimento. Ele era presidente da cooperativa da cidade, entidade que dirigiu por 14 anos, quando aconteceu a tragédia.
“Sempre fui muito ativo, adoro meu trabalho e era uma referência na região. Agora, não tenho mais a força e a vontade de antes. Comecei a esquecer tudo. Não consigo dormir direito e faço tratamento psiquiátrico”, conta.
Rompimento de vínculos é uma das causas de doenças
Os coordenadores da pesquisa acreditam que a perda do vínculo com a comunidade resultou nos altos índices de vulnerabilidade da saúde mental das vítimas.
“Elas viviam em um local que existia há quase 200 anos. Com a tragédia, essas pessoas se espalharam, perderam a noção de coletividade que fazia parte da identidade delas”, aponta a professora do departamento de saúde da Faculdade de Medicina da UFMG, Maila de Castro.
Para a especialista, o estudo deve motivar políticas públicas direcionadas aos atingidos. Segundo Maila, o monitoramento dos níveis de depressão e estresse precisa ser feito periodicamente, possibilitando o planejamento de estratégias a longo prazo.
Em 2019
Responsável por gerir os programas de reparação de danos da tragédia, a Fundação Renova informou desenvolver, em parceria com o Instituto Saúde e Sustentabilidade, estudo para avaliar a tendência de aumento de transtornos mentais, uso de álcool e outras drogas nos moradores das áreas atingidas. O levantamento será concluído em fevereiro do ano que vem.
Ainda conforme a entidade, os sistemas Único de Saúde (SUS) e de Assistência Social (SUAS) contam com 50 profissionais de saúde e de assistência social em Mariana.