(Editoria de arte)
Carga horária excessiva, pressão por resultados, responsabilidade por lidar com vidas. Com as mais variadas justificativas, estima-se que 41% dos estudantes de medicina apresentem sintomas depressivos no país. Um problema de saúde pública que seria um dos motivadores para suicídios de universitários de algumas instituições de ensino.
Tese de doutorado apresentada neste ano, na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), mostra que uma parcela considerável dos futuros médicos, de todos os períodos, sofre com sintomas como cansaço, culpa, irritabilidade, tristeza, dentre outros.
Os questionários, respondidos por 1.350 alunos, de 22 universidades públicas e privadas de todo o país, apontaram ainda que 81,7% dos graduandos apresentam a chamada ‘ansiedade estado’, ou seja, aquela manifestada em determinados momentos.
Autora da pesquisa, Fernanda Brenneisen Mayer diz que o índice de 41% dos estudantes de medicina com sintomas de depressão no Brasil é bem mais alto do que as médias mundiais, que ficam em torno de 27,2%.
Estudantes de instituições de ensino superior localizadas nas capitais são os que mais apresentam sinais de depressão. A ansiedade tem maior incidência entre os que estão em vulnerabilidade financeira e contam com bolsas de estudo. “A pressão financeira é a gota d’água para quem já sofre com outros fatores de estresse. Ela sequestra a pessoa emocionalmente e ela perde o poder de tomada de decisão”, afirma a pesquisadora.
Suicídio
O alto índice de universitários em depressão remete ao suicídio de um estudante de medicina da Faculdade de Minas (Faminas BH), na última segunda-feira. A morte pegou todo mundo de surpresa e gerou comoção entre amigos e alunos da instituição. Em quatro meses, cinco alunos da instituição tentaram suicídio. Desses, dois morreram.
“Fazemos mais de uma prova por dia. Como é um curso caro, temos que nos esforçar muito para não repetir matérias. Cada disciplina em que somos reprovados adiciona pelo menos R$ 1,2 mil na mensalidade do próximo ano”, afirma o presidente do Diretório Acadêmico, Ayrton Paschke.
Em nota, a faculdade lamentou o ocorrido. “A instituição compreende a complexidade e tamanha responsabilidade diretamente implicada no processo de formação dos estudantes, mantendo constante a preocupação para com a qualificação profissional e manutenção da qualidade de vida deles”, informou.
Realidade
Membro da Academia Mineira de Medicina e presidente da Associação Brasileira de Prevenção ao Suicídio, Humberto Corrêa afirma que o suicídio é comum não só entre os alunos do curso de medicina como também entre profissionais da área.
A primeira justificativa é o fato de eles terem acesso às técnicas mortais. “Muitos injetam medicamentos fatais neles mesmos”, revela. Corrêa acredita que essas situações sejam reflexo de uma vida de dedicação ao trabalho que acaba levando a um isolamento social.
Além disso, lidar com a morte diariamente é algo que abala uma parte desses trabalhadores.
Por dia, 81 mineiros tiram a própria vida
Oitenta e uma pessoas se mataram por dia em Minas Gerais, de janeiro a 10 de novembro deste ano. Os dados são da Secretaria de Estado de Saúde (SES). Nesse período, foram 900 casos, sendo que 381 estavam na faixa etária de 20 a 39 anos.
Em 2016 foram 1.278 vítimas em Minas. Apenas em BH, conforme estimativas da Secretaria Municipal de Saúde, foram 993 suicídios, de janeiro a 29 de novembro. O número é 5% maior do que o registrado no ano passado. Na capital, as principais vítimas também tinham de 20 a 39 anos.
Para a psicóloga social e presidente da Comissão Institucional de Saúde Mental da UFMG, Maria Stella Goulart, atribuir os suicídios apenas à depressão é reduzir um problema muito maior. “Podemos inferir muita coisa. Mas o aumento dos casos pode estar associado à reação da nossa conjuntura atual, a esse colapso social, político e econômico, à falta de perspectiva de vida”, diz.
A especialista acredita, porém, que não se pode fechar os olhos para as ocorrências envolvendo universitários que tentam contra a própria vida. “A UFMG está muito preocupada com essas situações. Não porque a gente entenda que o suicídio ocorra meramente por causa de pressão em sala de aula, mas porque temos que entender o motivo de uma parcela dos nossos alunos estarem abrindo mão do bem maior, que é a vida”.
Na Federal, de acordo com Maria Stella, alunos de todos os cursos têm apoio da rede de saúde mental da instituição.