(Editoria de Arte)
Planejamento equivocado, erros de cálculo no tempo de viagem e nos gastos com insumos, além de manutenção de linhas que deveriam ser desativadas. Uma série de erros da prefeitura na implantação do Move que impacta, agora, os cofres das empresas de transporte e pode refletir diretamente no bolso dos passageiros.
Em crise financeira, donos de concessionárias reivindicam, de forma imediata, subsídios ou aumento no preço da passagem. Se nada for feito, o sistema caminha para a suspensão das operações. “Inevitavelmente, haverá um colapso”, afirma uma das diretoras do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (SetraBH) Miriam Cançado.
Auditoria contratada pelo sindicato, a qual o Hoje em Dia teve acesso, mostra que as empresas operam no vermelho desde 2011, e que a situação foi agravada no ano passado.
O documento, elaborado pela consultoria EY, antiga Ernest Young, leva em conta 100% das notas fiscais de compra de insumos, de manutenção e demais despesas.
O relatório mostra uma série de gastos extras não considerados no planejamento de implantação do Move, como quilômetros rodados, contratação de mão de obra e equipamentos de tecnologia.
Diesel
Um dos exemplos da falta de planejamento da prefeitura ao implantar o sistema é o tempo das viagens do Move, muito maior que o previsto, gerando mais gasto de combustível.
A linha 51, que atende à região da Pampulha até a área hospitalar, tinha previsão para gastar, em média, 45 minutos. Porém, a viagem chega a uma hora e 20 minutos. “Isso é rotina nesta linha. No sistema convencional, havia mais opções de ônibus e as viagens eram, de fato, mais rápidas. Agora há apenas uma linha, que vive superlotada e gasta mais que o dobro do tempo”, disse a enfermeira Ana Gisele de Souza, de 31 anos. O aumento do combustível também é atribuído ao uso de ar-condicionado e ao peso do veículo articulado.
Falhas
Segundo Miriam, a implantação do Move previa a extinção de várias linhas, mas a redução não se concretizou. “Ainda temos 200 carros em operação. A previsão era extinguir esses veículos e remanejar os profissionais para outros postos de trabalho, como a bilhetagem. Em vez disso, tivemos que contratar 800 novos funcionários”.
Além desse custo, ela cita que a demanda de passageiros tem diminuído e que também há perda de receita com o sistema de integração e a tarifa regional, de R$ 2,20.
A BHTrans não disponibilizou fonte para falar sobre o assunto e tampouco respondeu aos questionamentos. A empresa que gerencia o transporte público limitou-se a informar que está estudando o relatório apresentado pelo SetraBH.
Contrato prevê revisão tarifária em caso de ‘desequilíbrio’
O contrato assinado com a prefeitura prevê a possibilidade de aumento, garante Miriam Cançado. Segundo ela, o reajuste pode ocorrer anualmente, conforme correção da inflação, a cada quatro anos ou a qualquer momento que uma das partes “perceber desequilíbrio”. “Ou seja, se as empresas estivessem tendo um lucro excessivo, com crescimento do número de usuários, a prefeitura também poderia solicitar uma revisão para baixo”.
Para o Ministério Público Estadual (MPE), o aumento da tarifa não é justificável. “As empresas alegam diminuição no número de passageiros, mas a conferência desses dados é questionável, pois leva em consideração apenas o serviço de bilhetagem eletrônica e somente por isso não é confiável”, explica o promotor de Patrimônio Público, Eduardo Nepomuceno.
Segundo ele, desde 2013 as empresas são beneficiadas com isenções de impostos e tarifas. Se houver reajuste, diz Nepomuceno, o caso irá parar na Justiça. O Setra, no entanto, garante que as isenções não foram suficientes para cobrir os gastos.
No atropelo
Para a diretora da Associação dos Usuários de Transporte Coletivo (AUTC), Gislene Reis, o Move não teve planejamento adequado. “É notório que o projeto foi realizado às pressas, para atender apenas à Copa do Mundo”. O Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários (STTRBH) informou acompanhar as discussões de perto, pois teme que, no fim das contas, a categoria seja afetada com demissões.
Direto ao ponto
Repasse de custo desnecessário
“Antes de o BRT (Move) ser instalado, houve muita discussão e planejamento. Na época, a opção por esse sistema em vez da ampliação do metrô, por exemplo, levou em conta os custos, que seriam bem menores e sem a necessidade ônus adicional ao passageiro. Isso foi exaustivamente falado.
O investimento maciço veio do poder público, com grandes obras de alargamento de pistas e desapropriações. É obvio que um ônibus articulado tem um gasto maior do que o convencional. Porém, todos esses e demais custos adicionais foram previamente pensados e planejados. O BRT não era algo inédito. Já existia em outras localidades e pesquisas foram feitas.
As empresas de ônibus terão de comprovar, de maneira clara, os custos adicionais. Se isso acontecer, estarão comprovadas também falhas no planejamento. Mesmo que se atestem os custos adicionais, estes não podem ser repassados ao usuário na forma de reajuste de tarifa. É preciso entender que o transporte não pode ser tratado apenas como atividade econômica e, sim, como política pública essencial, igual educação e saúde. O custo adicional deve ser resolvido entre prefeitura e empresas”.
Ronaldo Gouvêia
Professor de engenharia de transporte da UFMG e pós-doutor em ciências humanas
Em BH, 10% dos usuários se beneficiam da integração tarifária, pagando somente meia passagem