(Flávio Tavares)
Medo, incerteza e revolta. Há 30 dias esses são sentimentos comuns aos quase 40 mil habitantes de Brumadinho, na Grande BH, que viram povoados e histórias serem devastados pela lama após o rompimento da barragem da Vale. Passado um mês da maior tragédia de Minas em número de mortes das últimas duas décadas, a população atingida clama por socorro.
Queixas dos atendimentos oferecidos pela mineradora estão espalhadas pelos quatro cantos da cidade. As principais reclamações vêm do distrito de Córrego do Feijão, um dos mais afetados. Lá, segundo moradores, faltam psicólogos, informações e atendimento médico de urgência. Prova de que a assistência dada nos primeiros dias depois do desastre diminuiu com o passar do tempo.
Antes, as pessoas contavam com um ponto de apoio da empresa, estruturado na principal rua da comunidade. Orientações eram repassadas por funcionários da Vale, e havia distribuição de refeições, mantimentos e água. O local foi esvaziado e transferido para o antigo restaurante Casa Velha, mais distante e que não oferece café da manhã, almoço e jantar. Flávio Tavares / N/A
“O Feijão era um lugar tranquilo, de boas lembranças. Agora ficou manchado”, lamenta Jefferson
As doações enviadas à cidade são os únicos exemplos sem alterações. Elas foram suspensas desde a semana seguinte à tragédia pela grande quantidade de donativos arrecadados. Segundo a prefeitura de Brumadinho, o montante recebido é capaz de abastecer os atingidos por mais 45 dias. No entanto, o estoque não é garantia de assistência.
“Tudo que você precisa, seja água ou cesta básica, tem burocracia. No início tinha atendimento. Era ruim, mas tinha. Agora, não vê um psicólogo, um funcionário da Vale mais”, relata a auxiliar de cozinha Leidiane Paula Araújo, de 24 anos. Ela perdeu a mãe, Cristina Paula da Cruz Araújo, de 40, que trabalhava como faxineira na Pousada Nova Estância, varrida pelo tsunami de barro.
“A Vale acabou com a vida dela e com a nossa família. Nos deu esse dinheiro (doação de R$ 100 mil) como se fosse trazer ela de volta. Não temos nem prazer em gastar”, desabafa Leidiane, que tatuou o nome da mãe em um coração no ombro esquerdo.
Temor
Jefferson Ferreira dos Passos, de 33 anos, que ficou conhecido após entrar na lama e salvar duas pessoas, teme o esquecimento da população. O corpo da irmã dele, Jussara Ferreira dos Passos, de 35, que trabalhava como camareira na Nova Estância, foi localizado. “O Feijão era um lugar tranquilo, de boas lembranças. Tinha um restaurante famoso, era caminho para o Inhotim, a pousada. Mas, agora, ficou manchado”, conta.
O futuro do distrito também é colocado em xeque pelo ex-funcionário da Vale Antônio Gonçalves, de 82. Conhecido no vilarejo pelos chapéus e irreverência, o aposentado diz que os moradores estão abandonados. “A cesta básica que eles entregam não dá para dois dias. Você pede produto de limpeza, mas não tem”, reclama.
Sem vontade de permanecer em Córrego do Feijão, Antônio ainda aguarda uma proposta de indenização da empresa. “A gente precisava de um pouco mais de atenção e cuidado da Vale porque esse estrago, essas mortes, é culpa dela, e não se vê um funcionário para dar uma orientação”, diz.Flávio Tavares /Hoje em Dia“Tudo que você precisa, seja água ou cesta básica, tem burocracia”, reclama Leidiane
Crítica
Integrante da força-tarefa que investiga o rompimento da barragem da Vale, o promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) André Sperling diz que as denúncias registradas refletem um descaso com os atingidos.
“A Vale não se preocupou em evitar o rompimento e agora continua sem se preocupar com as pessoas, visando apenas maximizar seus lucros e restringir os direitos”, critica.