(Carlos Roberto/Hoje em Dia/Arquivo)
A portaria que restringiu, em outubro, a exposição de artesãos nômades e hippies em Belo Horizonte para o quarteirão fechado da rua dos Carijós, na Praça 7, e Praça Rio Branco, é considerada ilegal, segundo a Defensoria Pública de Direitos Humanos, Coletivos e Socioambientais. O tema foi debatido nesta quinta-feira (4), em uma audiência pública, na Câmara Municipal de BH. Segundo a defensora pública Júnia Roman Carvalho, a prefeitura contrariou a ação civil pública impetrada pelo órgão em junho de 2012 e medida cautelar de atentado de meados deste ano. Ambos os processos garantem que os artesãos permanecessem nos locais tradicionalmente ocupados, como o quarteirão da Praça 7. Júnia realçou o caráter especial da cultura hippie e criticou a Prefeitura. Segundo ela, a Procuradoria Geral do Município concordou em suspender a ação pública impetrada em 2012, com vistas ao diálogo. A ação visava garantir o direito dos artesãos e o reconhecimento do patrimônio que representam. Entretanto, a Defensoria entrou com uma liminar, aceita pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais em 26/9, buscando a manutenção dos mesmos direitos, antes do julgamento da ação. Ainda segundo a defensora, a Prefeitura recorreu da liminar, perdeu em 2ª instância e entrou com a portaria posteriormente, demarcando locais específicos para exposição das peças – o quarteirão fechado da Rua Carijós e a Praça Rio Branco. A portaria motivou a Defensoria a entrar com “medida cautelar de atentado”. “Essa portaria desrespeita decisão judicial e é inconstitucional”, afirmou Júnia. Ela ainda considerou que o Estado também descumpriu a lei, ao fazer uma operação em outubro deste ano para notificação e apreensão de materiais na Praça Sete, por meio da Polícia Militar, juntamente com fiscais da Prefeitura, o que ela chamou de “operação de guerra”. Os vereadores solicitantes da audiência, Adriano Ventura (PT) e Pedro Patrus (PT), pretendem realizar reunião com Executivo, Defensoria e artesãos para discutir a questão. “Entendemos que a Prefeitura está descumprindo ação judicial existente, e tomou a decisão da portaria sem nenhum tipo de diálogo. Essa política higienista tem que acabar”, criticou Patrus. Nômades O artesão Elidson Lucas, autodenominado “Pirata”, explicitou que a categoria não deseja um “ponto”, já que são nômades e não comerciantes comuns. “Estão tentando extinguir nossa cultura de Belo Horizonte. Chegam com a polícia, apreendem materiais. Colocaram-nos na Rua Carijós, na guia de cegos, atrapalhando essas pessoas”, acusou. Opinião semelhante teve a artesã Alda Garcia. Ela lembrou que a manufatura das peças exige compra de produtos, sobre os quais incidem impostos. “Não tenho benefício nenhum da Prefeitura e pago impostos, por que não posso trabalhar? A Praça Rio Branco é ponto de prostituição. Eu não vendo prostituição, vendo artesanato”, questionou. Adriano Ventura realçou o caráter especial do trabalho e do modo de vida dos artesãos, também reconhecidos por vezes como “hippies”: “O artesão está livre de vários conceitos, inclusive o conceito de capital. É uma opção de vida, simples, bonita, eficaz e consciente. E a Constituição garante livre expressão cultural e religiosa”. Ele considerou que, embora nômades, os artesãos estão nos locais ocupados há décadas. Os parlamentares pediram revogação da portaria e que os bens apreendidos pelos fiscais sejam devolvidos. Outro lado O gerente regional de Licenciamento e Fiscalização, Cláudio Antônio Mendes, representando a Prefeitura, negou descumprimento da lei e defendeu a ação: “Nos dias 7 a 9 de outubro fizemos uma ação informativa, distribuímos cópias da portaria e notificamos as pessoas, mas não fomos recepcionados. Nós chegamos com mais gente justamente para evitar enfrentamento”. Mendes alegou, ainda, que foi permitido permanecer na Praça, desde que sem exposição de mercadorias. O gerente indicou que há 11 locais na cidade para expor e que o artesanato deve ser fomentado “de forma organizada”. Ele relatou dificuldade em dialogar com os artesãos, devido ao nomadismo deles. Também sustentou que há conflitos de interesses envolvendo a questão - lojistas, por exemplo, reclamam da presença dos “hippies”. A chamada “ação informativa” foi criticada pelos artesãos. “Pirata” disse que foi notificado sem direito a cópia do documento e, dias depois, 70 a 100 fiscais chegaram ao local. Carvalho também denunciou a fiscalização que, segundo ela, age de forma discriminatória. A defensora contradisse a questão da falta de representante para diálogo, posta por Mendes: “A área judicial da Prefeitura sabe que a Defensoria Pública representa os artesãos. Isso não é desculpa para a falta de diálogo”. Ao fim da reunião, os vereadores sugeriram uma outra reunião com artesãos, Secretaria Municipal de Serviços Urbanos e Defensoria Pública, antes da edição de nova portaria, que possa beneficiar os expositores. * Com CMBH