(Flávio Tavares)
O sorriso no rosto de Maria das Graças Marçal, conhecida como dona Geralda, revela o quanto a senhora de 68 anos, que começou a catar lixo nas ruas de Belo Horizonte aos 8, tem motivos para comemorar. Uma das fundadoras da Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável (Asmare), ela celebra os frutos do trabalho da entidade que, desde 2014, recebe apoio do projeto Catadores de Sonhos.
A iniciativa, no entanto, precisa angariar recursos para dar continuidade às ações que têm mudado a vida dos trabalhadores da Asmare. É por isso que os idealizadores estão apostando todas as fichas no financiamento coletivo. Por meio do site Evoé, eles têm a meta de arrecadar R$ 40 mil por meio de doações. O prazo termina no mês que vem.
“Com esse dinheiro queremos reativar a marcenaria que existe dentro do galpão da associação na avenida do Contorno (região Oeste). Lá, será possível fabricar mais carrinhos para os catadores, além de novos produtos que poderão ser vendidos por eles”, explica o professor do curso de design da UFMG e idealizador do projeto, Glaucinei Rodrigues Corrêa.
O valor arrecadado será investido ainda no pagamento de instrutores, em bolsas para catadores que precisarão interromper o trabalho para fazer as oficinas, na compra de novos equipamentos e na remuneração de estagiários que irão participar do projeto.
As atividades, afirma Corrêa, não são apenas para melhorar os ganhos dos trabalhadores, mas também para ajudá-los a amenizar as perdas ao longo do tempo. “A cada dia eles ganham menos com a catação. Não só por causa do baixo valor do material como também pela concorrência, já que tem muita gente na rua fazendo isso”, explica o professor.
Sonhadores
“Aquele que não sonha, morre”, afirma dona Geralda. A mulher que criou os 12 filhos com a renda retirada do lixo gerado pela capital, afirma que só conseguiu passar por todas as adversidades da vida porque nunca deixou de sonhar.
Ela relata que, em meados da década de 1980, os catadores sofriam forte repressão policial e eram frequentemente confundidos com marginais. A aproximação da Pastoral de Rua foi o que possibilitou que eles se organizassem e ganhassem o respeito da sociedade.
“É por isso que o Catadores de Sonhos vai nos ajudar muito. Vai reunir mais pessoas com vontade de sonhar”, garante.
Riva Moreira
MUITO TRABALHO – Catadores se desdobram em meio a inúmeros materiais
Incentivo
O projeto tem como meta principal melhorar a condição socioeconômica dos trabalhadores ligados à Asmare e, há pouco mais de quatro anos, vem realizando ações voltadas para o complemento de renda e elevação da autoestima dos associados.
São oficinas de design, para ajudar na confecção de produtos que possam ser produzidos e vendidos pelos associados, bem como aulas de dança, voltadas para as mulheres que trabalham na reciclagem.
Qualquer pessoa ou empresa pode contribuir com o projeto por meio de doações. Basta acessar o site catadores.org para ter mais informações. Para cada tipo de contribuição há uma recompensa disponível.
Mudança na rotina é aposta para elevar a autoestima de trabalhadoras da entidade
Diante do mar de papéis, garrafas pet, sacolas de plástico e embalagens acumuladas nos depósitos da Asmare é difícil ter uma dimensão de quanto lixo a cidade é capaz de gerar. Só de resíduos recicláveis, cerca de 520 toneladas são recolhidas a cada mês em Belo Horizonte, segundo estimativas da Superintendência de Limpeza Urbana (SLU).
Parte desse material é levado para os galpões de associações – além das Asmare, existem mais seis, segundo a SLU – onde homens e mulheres de diversas idades trabalham incansavelmente na separação dos itens, carregando de um lado para o outro pilhas de papelão e embalagens dos mais variados tipos.
Nesse ritmo intenso, quem tem conseguido quebrar a rotina de trabalho com atividades voltadas para o bem-estar garante que os benefícios já são perceptíveis.
É o caso de Karina das Graças, trabalhadora do galpão de reciclagem da Asmare no Prado, na região Oeste da capital mineira. A jovem é uma das alunas mais envolvidas com a oficina de dança oferecida pela entidade.
Ao lado da instrutora, que é bolsista cedida pelo projeto Catadores de Sonhos, Karina atua como uma espécie de auxiliar que ajuda as colegas a aprenderem os comandos de forma sincronizada com a música.
Atenta aos passos da professora, a mulher demonstra ter domínio do ritmo e coordenação motora apurada. O gosto pela atividade é tanto que ela já pensa em se envolver com outros estilos na atividade. “Quero fazer aula de zumba agora. A gente se sente muito melhor quando dança”, afirma.
Flávio Tavares
Disposição - Karina das Graças faz questão de participar das aulas de dança oferecidas pela Asmare; segundo ela, a atividade garante bem-estar