Desrespeito à norma é comum no bairro Santa Efigênia, que concentra várias unidades de saúde em BH; CRM condena comportamento e alerta para a importância de denúncias
Os “privativos” - roupas específicas para blocos cirúrgicos e áreas internas dos hospitais - são potenciais fontes de bactérias (Maurício Vieira/ Hoje em Dia)
*Matéria atualizada às 17h11 para inclusão do posicionamento da Abrasel-MG
Os quase 15 anos da lei que proíbe o uso de jalecos e uniformes fora do local de trabalho não foram suficientes para barrar comportamentos de risco por parte dos profissionais da saúde em Belo Horizonte. Potenciais fontes de bactérias, os “privativos” – roupas específicas para blocos cirúrgicos e áreas internas dos hospitais – representam um perigo duplo quando usados também no ambiente urbano. No vaivém de um espaço a outro, a chance é de contaminação de superfícies e pessoas que estão na rua e, o pior, dos pacientes já internados.
Basta um rápido giro pela região hospitalar de BH, no Santa Efigênia (Leste), para flagrar profissionais com os trajes em restaurantes, lanchonetes, vendinhas, bancas de jornais, pontos de ônibus e dentro dos coletivos.
Quem mora, trabalha ou frequenta o bairro não poupa críticas à atitude. Caso da técnica de farmácia Roberta Castro, de 22 anos. A jovem, que frequenta a área hospitalar diariamente, diz já ter presenciado médicos fazendo refeições vestindo os uniformes.
“Ele está dentro de um hospital com o jaleco. Se vai para a rua, pode levar resíduos de um paciente infectado e contaminar outras pessoas. Além disso, o médico pode estar na rua, ser infectado naquele ambiente e levar micro-organismos para a área intra-hospitalar”.
O comerciante Davi Teixeira, de 57 anos, também se preocupa com os riscos de contaminação. Segundo ele, os profissionais deveriam se adequar à lei vigente. “Acho que a partir do momento que é uma norma, tem que ser seguida. As leis foram feitas para a sociedade. Tinha que fiscalizar”, afirma.
Procurado pelo Hoje em Dia, o Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM-MG) informou que o uso de jalecos e uniformes clínicos fora do ambiente de trabalho é incompatível com as normas de biossegurança.
“O Conselho Federal de Medicina já se manifestou que o jaleco é traje de trabalho e deve ser retirado em intervalos para alimentação e ao final da jornada, não devendo ser utilizado em áreas comuns (como lanchonetes/ restaurantes) ou em locais públicos, por potencial atuar como fômite (superfície que veicula microrganismos)”, diz trecho de nota do conselho.
O CRM-MG afirmou ainda que apura todas as denúncias sobre condutas médicas que possam configurar infração ética, inclusive de ofício, quando houver elementos mínimos. Além disso, a entidade informou que qualquer cidadão ou instituição pode encaminhar denúncia identificada pelo canal oficial “Denúncia Ética”.
Para denunciar é necessário se identificar e fornecer dados do paciente (se houver); local/data do fato; nome e CRM do(s) médico(s), quando possível; e evidências (fotos, vídeos etc.). O envio é feito pelo site do CRM-MG ou pelo Portal Nacional de Denúncias.
O Hoje em Dia também entrou em contato com a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). Por meio de nota, a entidade destacou a importância das normas estabelecidas pelo Código de Saúde do Estado de Minas Gerais.
"Elas asseguram e zelam pela saúde dos clientes e colaboradores do setor de alimentação fora do lar, especialmente na região hospitalar de Belo Horizonte", afirmou a presidente da Abrasel-MG, Karla Rocha, completando que cabe à vigilância sanitária fiscalizar o cumprimento da lei, atuando de forma educativa e preventiva para orientar os serviços de saúde e os profissionais.
O uso de jalecos e uniformes fora dos hospitais é proibido pela Lei Municipal n°10.136, criada em 2011. O texto não detalha penalidades, tendo apenas caráter educativo.
“Fica o profissional de saúde que atua no âmbito do Município proibido de circular fora do ambiente laboral usando equipamento de proteção individual, inclusive jaleco, avental e outra vestimenta especial utilizada para o desempenho de suas funções”, diz trecho da norma.
Para fiscalizar as unidades hospitalares, existe outra lei, a Estadual nº 21.450/2014. Entre as punições previstas estão aplicação de advertência, cancelamento de alvarás sanitários e cassação da autorização de funcionamento de estabelecimentos infratores. A fiscalização é de responsabilidade das vigilâncias sanitárias.
Procurada pelo Hoje em Dia, a Prefeitura de Belo Horizonte informou que a atuação da Vigilância Sanitária é voltada exclusivamente aos estabelecimentos de saúde. Segundo a PBH, fiscais verificam o correto uso e armazenamento de jalecos, aventais e outros equipamentos de proteção individual.
“Cabe destacar, ainda, que a Vigilância Sanitária atua de forma educativa e preventiva para que os serviços de saúde orientem os profissionais”, informou a PBH.
Para o infectologista Leandro Curi, os mais prejudicados pelo desrespeito à lei são os pacientes internados. Segundo o médico, grande parte dos enfermos das unidades hospitalares está com o sistema imunológico fragilizado e pode sofrer com uma nova doença.
“O nome do uniforme privativo já indica que tem que ser algo privado, interno, e isso não pode sair na rua porque é um ambiente que pode trazer outros germes para pacientes internados, que têm uma imunidade mais baixa”.
Segundo o especialista, o jaleco é um EPI - Equipamento de Proteção Individual - que tem como objetivo proteger o trabalhador contra riscos à própria segurança e saúde no ambiente de trabalho. “Mas é claro que ele também funciona como contaminante para pacientes, então quando o médico sai com um jaleco e volta com ele, pode levar a contaminação aos pacientes”, diz.
“Infecções de várias formas possíveis, virais e bacterianas para aqueles pacientes que são assistidos por profissionais que saem do serviço de saúde e voltam com a mesma roupa”, completa.
Diretor da Sociedade Mineira de Infectologia, Estêvão Urbano confirma que o risco é maior para os doentes já assistidos nas unidades de saúde. Segundo o especialista, “as transmissões se dão pelo contato de mãos e boca, principalmente em ambientes hospitalares”.
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