Rompimento de barragens condenadas pela Vale poderia expor 18 cidades mineiras a danos

Simon Nascimento, Malú Damázio e Lucas Eduardo Soares
28/03/2019 às 20:55.
Atualizado em 05/09/2021 às 18:00
 (Reprodução/Google)

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Dezoito cidades, incluindo a capital mineira, sete rodovias, seis cursos d’água e um bom pedaço da mata atlântica. Tudo isso pode sofrer impactos caso as barragens Forquilha I e III, em Ouro Preto, região Central de Minas, e B3/B4, em Macacos, distrito de Nova Lima, na Grande BH, se rompam. As estruturas, de propriedade da Vale, tiveram o nível de risco elevado de 2 para 3, o patamar máximo, na noite de quarta-feira (27).

A possível chegada dos rejeitos ao rio das Velhas, em caso de colapso de qualquer uma delas, afetaria o abastecimento de água na região metropolitana. Outros municípios no entorno, banhados pelo afluente, também seriam afetados. Em fevereiro, os reservatórios haviam sido classificados pela Agência Nacional de Mineração (ANM) como de baixo risco.

Porém, na avaliação de Marcus Vinícius Polignano, coordenador do Projeto Manuelzão e presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, o cenário é “catastrófico” e, caso a ruptura aconteça, áreas de preservação da mata atlântica serão devastadas tanto em Nova Lima quanto em Ouro Preto. 

O ambientalista também destaca o desabastecimento de água de 60% dos moradores de BH atendidos pelo Velhas, além de outras cidades. “Já não contamos mais com o rio Paraopeba (atingido pelos rejeitos de Brumadinho). Nunca imaginei que chegaríamos a uma situação tão crítica e absurda como esta”, lamenta.

Em caso de rompimento das três estruturas em Macacos e Ouro Preto, a lama de rejeitos poderá atingir os ribeirões; Mata Porcos e Macacos, os rios Itabirito e das Velhas e o córrego dos Fechos. Áreas de florestas e de preservação permanente também serão afetadas

Rodovias

A ruptura de Forquilha I, conforme o documento, também afetaria a MG-010, na Grande BH. Já um desastre em Forquilha III se estenderia por 111 quilômetros de áreas com potencial para alagamentos.

No caso da barragem em Macacos, além da área que as autoridades consideram não ter tempo suficiente para o resgate em caso de tragédia, os rejeitos também atingiriam os vilarejos de Honório Bicalho e Santa Rita, em Nova Lima, e os municípios de Raposos e Rio Acima. 

A contaminação do rio das Velhas seria justamente nesse último município, no leito antes da Usina de Bela Fama, ponto de captação da água que abastece a metrópole.

Falhas

Professora do curso de engenharia civil das Faculdades Kennedy, Rafaela Baldí acredita que os recorrentes casos de elevação do nível de alerta sobre as barragens demonstram falhas de gestão. “Não é normal uma estrutura apontada como estável estar caindo de uma hora para outra. Isso evidencia que não houve boa gestão de segurança”, diz.

Para Carlos Barreira Martinez, do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Itajubá, é necessário que o Estado dialogue com as mineradoras, auditorias independentes e poder judiciário para amenizar os problemas da emissão de laudos de estabilidade de barragens e evacuações de comunidades. “É preciso sentar e conversar para se chegar a uma solução. O Estado precisa da mineração economicamente. Mas as empresas devem operar respeitando as leis e a população”, frisa o professor. 

Conforme Martinez, apontar o processo de descomissionamento das barragens como única alternativa é uma falha. “Não é como demolir uma casa. Pode haver interferência e gerar um rompimento do reservatório”, alerta. 

A Agência Nacional de Mineração (ANM) e a Vale foram procuradas pela reportagem, mas não se manifestaram sobre o assunto. O governo de Minas não se posicionou sobre a possibilidade de uma conversa com mineradoras e auditorias.Riva Moreira

Caíque, Daniel e Maria Aparecida não sabem se querem voltar ao povoado; marido e mulher estão desempregados

Vida em hotéis é marcada por dificuldade e saudade de casa

O zumbido das sirenes ainda ecoa na mente de dezenas de famílias que tiveram que deixar as casas e hoje vivem, sem perspectiva de retorno, em hotéis. A mudança de endereço vem carregada de dificuldade e de saudade do lar. 

Há mais de um mês morando em um hotel em BH, a diarista Adenilde Evangelista, de 30 anos, sente falta da vida que levava em Macacos. Sem emprego fixo, reveza faxinas no distrito onde vivia e na capital. Em algumas ocasiões, precisou levar os filhos Carlos Eduardo, de 7 anos, e a caçula Maria Flor, de 4, ao trabalho.

“Não tenho quem fique com eles aqui (em BH) e não posso deixá-los em Macacos. Afinal, como vou trabalhar sabendo que a barragem pode se romper com eles lá?”, lamenta Adenilde, que cogitou voltar ao antigo lar apesar dos riscos iminentes. “Nossa casa era simples, mas era o nosso canto. Tinha um quintal onde os meninos brincavam. E agora? Vou deixar meus filhos trancados?”, desabafa.

Desde que os sinais sonoros foram emitidos no vilarejo, na noite de 16 de fevereiro, Maria Aparecida Gomes, de 31 anos, convive com incertezas. Naquele dia, arrumou as malas e veio para a capital dividir um quarto com o esposo, Daniel, o filho, Caíque, e os cães de estimação: Elvis e Cindy. Ela não sabia que demoraria tanto tempo. 

“Perdi meu trabalho. Meu marido, que tinha três empregos, agora não tem nenhum. Estamos os dois desempregados e sem saber o que fazer com as dívidas”, diz Aparecida. Agoniada, não sabe se deseja voltar ao povoado, já que o turismo foi diretamente afetado com o risco de colapso na estrutura da Mina Mar Azul. “Minha vida virou ao avesso”.

A recepcionista Flávia Lerman, de 37 anos, também relata o drama que tem sido as últimas semanas em BH. “Não tenho vontade de voltar a Macacos, o medo é maior. Quero que a Vale arrume uma casa para que eu possa recomeçar minha vida”, comenta. 

A reportagem procurou a Vale para saber até quando a empresa pagará pelas diárias nos hotéis e qual a previsão para que as famílias recebam indenizações. A mineradora não respondeu.

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