(Riva Moreira)
A explosão de casos de coronavírus traz um alerta: governos e sociedades do mundo inteiro precisam se preparar para a “globalização” das doenças, consequência do vaivém constante de pessoas e do surgimento de novos vírus e enfermidades, inclusive em intervalos curtos de tempo. O aviso é do médico Estêvão Urbano, presidente da Sociedade Mineira de Infectologia. Para reduzir a propagação, medidas de higiene como lavar as mãos e não deixar que gotículas contaminadas de saliva, por exemplo, se espalhem pelo ambiente podem ser bastante eficazes. Ficar de molho em casa se tiver sintomas, também. São os mesmos cuidados recomendados pelo especialista a quem está com gripe – quadro que não deve ser negligenciado, ensina. Em entrevista ao Hoje em Dia, o médico ainda esclarece dúvidas sobre o coronavírus e joga por terra mitos como a necessidade de se usar máscaras quando não se tem a doença. “Ela vai se contaminando, às vezes, com outros vírus e pode ser mais deletéria do que auxiliar”. Confira a entrevista.
O que já se sabe sobre o novo coronavírus? O vírus é tão letal ou grave como outras doenças que surgiram no mundo?
Hoje, a comunidade científica se depara com mais perguntas do que respostas. O que sabemos é que é um vírus novo, que não tinha sido detectado como causa de doenças em humanos. Ele tem origem na China e, pelos poucos estudos e pouco tempo de conhecimento a seu respeito, provavelmente foi transmitido a um homem a partir de doenças em animais. Podemos afirmar que esse vírus causa doenças respiratórias leves na maioria das pessoas. Entre 15% e 20% dos infectados têm sintomas mais severos, porque o vírus atinge os pulmões. E, em 2% a 3%, pode levar ao óbito.
Especialistas já alertaram que as mãos carregam e transportam o vírus. Por dia, quantas vezes é necessário lavá-las para evitar contrair a doença?
Não existe nenhum tipo de estudo que possa dar uma fórmula mágica. Depende do risco que se corre. Quem está em casa, sem ninguém de risco, não precisa higienizar as mãos. Agora, quando se vai para locais públicos, é indicado de 30 em 30 minutos. E, se estiver próximo de uma pessoa que esteja tossindo, a cada toque em superfícies (próximas) seria necessário fazer a higienização das mãos.
E a máscara, quando é indicada?
Ela não tem indicação de ser usada por indivíduos que não têm sintomas da doença, a não ser que estejam a uma distância pequena de alguém suspeito (de ter a doença). Aquela história de sair de casa de máscara é inadequada e perigosa, porque a máscara vai se contaminando, às vezes, com outros vírus e ela pode ser mais deletéria do que auxiliar.
O Covid-19 se dissemina muito rápido. Qual a transmissibilidade dele?
Não sabemos ainda. Mas o que percebemos é que, possivelmente, é uma taxa de transmissão maior do que outros coronavírus que causaram epidemia no passado, como a Sars, em 2002, e o Mers, em 2011.
Sendo assim, o senhor acredita que há chance de surto da doença no Brasil e em Minas?
É bem provável que tenhamos um número alto no país, porque temos uma população que não tem nenhuma imunidade, já que é um vírus novo, com uma forma de disseminação muito fácil.
O fato de estarmos no verão pode contribuir para que o vírus se dissemine mais, mas que a doença chegue menos severa por aqui?
Possivelmente, o vírus se multiplica e transmite em temperatura mais quente, mas no verão as pessoas mantêm os espaços mais abertos e ventilados, que são formas de “diluir” o vírus no ar. No inverno, aumenta a transmissão porque as pessoas ficam mais aglomeradas em locais fechados. O verão não vai ser uma barreira para a entrada do vírus, mas será barreira porque conseguimos manter os ambientes mais ventilados.
Mas o senhor acredita que no inverno as pessoas já vão estar mais imunes ao vírus?
Vai depender dos próximos 30 dias. Se notarmos que começa a circulação do vírus no território nacional e que muitos brasileiros já o estão contraindo, pode ser que isso minimize o impacto no inverno. Mas, se tivermos um retardamento desse vírus nos meses menos frios e ele chegar mais nos meses em que os locais fechados vão prevalecer, você não encontra a população imunizada e mais pessoas vão contrair.
Quando a comunidade científica prevê que haverá uma vacina disponível contra o novo coronavírus?
Já existem alguns estudos sobre vacinação, mas não é fácil, em um intervalo pequeno, prover uma vacina que esteja pronta para o próximo inverno. Então, acredito que em um a dois anos não teremos uma vacina eficaz.
Os vários genomas da doença dificultam a busca por um tratamento? Ou essa mutação é normal?
Dificulta a busca mais por uma vacina do que pelo tratamento. O tratamento também não existe, mas pequenas mudanças no genoma, geralmente, não inferem na resistência a um remédio. Por outro lado, essas pequenas mudanças dificultam a formação de uma vacina que seja efetiva.
Já se falou em vitamina D, bombinha para asma e imunoglobulina para tratar ou prevenir o coronavírus. O que de fato pode ajudar na prevenção ou tratamento da doença?
Nada disso tem comprovação. No caso da imunoglobulina, ela teria o benefício de dar aporte extra de anticorpos que pudesse ajudar a combater esse vírus. A imunoglobulina nada mais é do que anticorpos. Para indivíduos que têm a produção normal de anticorpos, será que uma carga extra vai ajudar? Não tem evidência nenhuma.
O cidadão se vê em meio ao fogo cruzado de informações. Qual é o verdadeiro tamanho da ameaça?
Os governos estão tomando medidas que não sabemos se são excessivas ou se o futuro vai mostrar que eram necessárias. Na falta de informações maiores, melhor pecar pelo excesso do que pela falta. Mas é uma realidade definitiva falar que esse vírus não deve causar pânico e, no futuro, saberemos se essas medidas de contenção se justificavam ou se foram excessivas.
Algumas empresas têm adotado o home office. Isso é recomendável?
Isso já deveria acontecer para qualquer doença respiratória que tivesse essa forma de transmissão. O coronavírus nos remete a rever as práticas atuais para outros vírus. As pessoas que tivessem gripe ou outras infecções respiratórias parecidas com a gripe não deveriam frequentar ambiente de trabalho e locais públicos. São dois pesos e duas medidas. Os mesmos cuidados recomendados para o novo coronavírus já deveriam ser recomendados para outros vírus anteriores.
Quais são as doenças?
São os resfriados e gripes. Além da influenza, existem vários outros, como o adenovírus, sincicial respiratório, metapneumovirus e outros tantos que causam quadros parecidos com o vírus da gripe. Todos esses vírus têm a mesma forma de transmissão e os cuidados são os mesmos. Não é bom ter gripe pelo coronavírus, da mesma forma que não é bom ter por outros tipos de gripe.
Com as viagens internacionais cada vez mais comuns, as doenças também tendem a se globalizar?
O mundo tem que se preparar para a globalização das doenças. Óbvio que algumas têm modo de transmissão que dificulta a globalização. Agora, quanto às enfermidades que são transmitidas pelas mãos ou pelas gotículas, temos que estar preparados para uma globalização cada vez maior, e com novos vírus e doenças aparecendo em intervalos curtos de tempo.
Há algo que possa ser feito nos portos e aeroportos para evitar a importação da doença?
Embora isso seja uma medida teoricamente que pudesse ser atrativa, a Sociedade Brasileira de Infectologia, baseada em estudos, não recomenda. O impacto em diminuir a chegada e disseminação do vírus é muito pequeno. Porque muitas pessoas chegam sem sintomas e vão desenvolver depois. A não ser que colocasse todo mundo em quarentena, o que é absolutamente irreal.
Já se sabe quanto tempo o vírus sobrevive?
Suspeita-se que esse vírus não dure no ambiente mais do que três a cinco dias. Portanto, seria suficiente para o vírus morrer caso viesse algum produto da China.
Historicamente, qual o tempo para a contaminação de uma nova doença começar a diminuir?
Basicamente quando ela entra em equilíbrio com as defesas do corpo.
Mas quando a pessoa começa desenvolver essa imunidade?
Se pega a doença, com sintomas ou não, a produção de anticorpos que provavelmente protege contra o vírus é em torno de uma semana a 14 dias.
De quanto em quanto tempo a população enfrenta surtos de novas doenças?
A cada seis ou sete anos. Mas pode aparecer em intervalos muito menores e, acredito que será cada vez menor, por causa da globalização.
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