(Flávio Tavares)
A movimentação na porta da Escola Estadual Padre João Bosco Penido Burnier, no bairro Lindeia, região do Barreiro, é de mais um dia letivo em Belo Horizonte. Alunos chegam apressados para a primeira aula, às 19h.
Um casal de estudantes, no entanto, não tem pressa. O rapaz sobe a rua das Perpétuas fumando um cigarro de maconha, acompanhado da colega.
Os dois não entram. Preferem ficar parados na porta, ao lado da sigla E.E. (de escola estadual) pintada no muro, queimando o baseado.
À frente do quadro negro, os professores vivem um dilema: a tentativa de ajudar o aluno a se livrar das drogas pode ser o estopim para uma guerra entre mestre e educando.
“Quando comecei a dar aulas, com 20 e poucos anos, tentei mostrar o quanto a droga é prejudicial. Eu via que alguns alunos tinham potencial, mas ficavam dispersos ou arredios por causa do efeito da maconha”, diz um professor de matemática de uma escola estadual de Venda Nova.
Temendo novas represálias, ele pediu para não ser identificado. “Passei por uma experiência muito ruim. Havia um grupinho de estudantes que só entrava na sala drogado. Como não quiseram ouvir meus conselhos, a diretoria teve de chamar os pais desses meninos, porque eles estavam atrapalhando o aprendizado dos colegas. Pouco depois, meu carro apareceu todo riscado”, lamenta.
Sem programas de prevenção às drogas na escola onde trabalha, ele decidiu fechar os olhos para o problema. “Não tenho nenhum respaldo. Portanto, não vou ficar correndo o risco de novos ataques”.
O Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG) cobra respostas. “Desde 2014, temos tentado em audiências do Ministério Público do Trabalho debater políticas de prevenção às causas da violência nas escolas”, afirma a coordenadora-geral da entidade, Beatriz Cerqueira.
Faz de conta
A mobilização dos professores, por conta própria, é insuficiente para conter o avanço das drogas no ambiente escolar. A avaliação é da mestre em ciências sociais e pedagoga Salete Maria Vizzolto.
“Não há seriedade. Deveria ser um programa público permanente, mas é um faz de conta. Não será com meia dúzia de educadores que o problema será combatido”, critica.
Durante 25 anos, a especialista, que mora em Florianópolis, atuou pelo Brasil em programas desta natureza, em parceria com o MEC. “Eu desisti, pois estava me sentindo ridícula. Era uma luta inglória. Determinado grupo começa a desenvolver um trabalho e quando mudava a gestão (no ministério) tudo era interrompido”, critica Salete.
Ela é autora do livro “A droga, a escola e a prevenção”, o primeiro do tema publicado no país, na década de 80.
Capacitação de educadores interrompida por falta de verba
O trabalho multidisciplinar que a equipe da mestre em ciências sociais Salete Maria Vizzolto desenvolvia junto às secretarias estaduais de Educação capacitava professores para lidar com as drogas nas escolas. Porém, foi interrompido há 15 anos por falta de verba do MEC.
“Atuávamos nos Estados com o programa Pré-Vida, treinando professores, mostrando como trabalhar o combate às drogas dentro do currículo escolar. Éramos um grupo de profissionais, com educadores, psiquiatras e toxicologistas. Mas era um desânimo, pois o dinheiro chegava em migalhas”, diz.
O educador era preparado para a difícil missão de convencer adolescentes e jovens a abandonar o vício. Segundo Salete Vizzolto, após o encerramento do Pré-Vida, não foi criado programa com o mesmo propósito.
“O professor está despreparado e o aluno não quer saber da conversa de combate às drogas. Eles consideram os educadores caretas e pregam a liberdade para experimentar o que querem”, destaca.
Novidade
De acordo com a subsecretária de Estado de Desenvolvimento da Educação Básica, Augusta Mendonça, o programa “Convivência Democrática” será iniciado na rede estadual no segundo semestre. “Serão ações de mediação de conflitos nas escolas, para coibir relações conflituosas”.
Ela também aponta o fortalecimento da educação integral e da rede de educação profissional como medidas de combate ao uso de drogas nas escolas.