Soraya Romina: Morador de rua quer mudar de vida

Izabela Ventura - Hoje em Dia
15/05/2014 às 08:10.
Atualizado em 18/11/2021 às 02:35
 (Eugênio Moraes)

(Eugênio Moraes)

A realidade dos moradores em situação de rua de Belo Horizonte e as políticas públicas para reinserção deles à sociedade foram abordadas na quarta-feira (14) no programa Central 98, da rádio 98 FM. Na capital, mais de 1.800 pessoas vivem nessas condições, e o percentual daquelas que já sofreram algum tipo de violência é alto – dentre as mulheres, por exemplo, 49% foram vítimas de agressão sexual.

Participaram da entrevista Soraya Romina, coordenadora do Comitê de Acompanhamento e Monitoramento da População em Situação de Rua da Prefeitura de BH (PBH), e Alan Mendes, que conseguiu se livrar do alcoolismo, sair das ruas e ter o próprio teto. Os alunos Rodolfo Blas e Marina Vilela, além de Marci Nunes, do colégio Loyola, contaram experiências sobre os projetos sociais da escola.

O que leva cidadãos a viverem em situação de rua?

Soraya: Diferentes causas podem motivar essa situação, que ocorre no mundo inteiro. Conflitos familiares; uso abusivo de álcool e outras drogas; pessoas que passaram pelo sistema carcerário e não encontraram lugar na sociedade e nas próprias famílias; jovens expulsos das comunidades; pessoas com quadro de adoecimento mental.

Qual é o perfil dos moradores em situação de rua em BH?

Soraya: O censo voltado para essa população, feito no ano passado, identificou 1.827 pessoas em situação de rua em BH, sendo 86% do sexo masculino e 67% entre 31 e 50 anos. Apontou ainda que 94% dos entrevistados desejam sair dessa situação e que tal perspectiva é pela via do trabalho. Muitas vezes, eles têm qualificação profissional e formação escolar, mas esbarram no preconceito das empresas que entendem que esse público não é capaz de contribuir para a economia do país.

Quais políticas públicas voltadas à população de rua a PBH exerce e quais vai desenvolver, a partir do censo?

Soraya: Temos o serviço especializado em abordagem social; a oferta de acolhimento institucional com abrigos, albergues e repúblicas; duas unidades de centros de referência; atendimento gratuito nos restaurantes populares, dentre outros dispositivos. Nossa atitude ainda é um pouco tímida, mas a PBH está elegendo a pauta “reinserção pela via do trabalho” para encontrar novas saídas.

As vagas disponíveis atualmente em abrigos públicos contemplam toda a população de rua?

Soraya: Há cerca de 900 vagas de acolhimento institucional. Se você considerar que a população de rua é mais que o dobro, você vai dizer que faltam pelo menos mais 900 vagas. Contudo, o trabalho de abordagem, acolhimento e convencimento dessas pessoas e o encaminhamento delas para qualquer serviço não se constitui como uma linha de produção. Se o sujeito não quer, a PBH não pode levá-lo à força para um abrigo. Mas vamos expandir nossas vagas até o fim da gestão.

A violência também é uma realidade na vida dessas pessoas, não é mesmo?

Soraya: Segundo o censo 2013, 44,5% dos moradores em situação de rua afirmam já ter sofrido algum tipo de violência por agentes públicos, 44% sofreram violência por outros moradores em situação de rua e 20% por civis. A violência sexual contra mulheres também é espantosa (49% já foram vítimas).

Alan: Não cheguei a sofrer violência nos dois anos que passei nas ruas de BH, mas já presenciei atos agressivos de civis e dos próprios moradores de rua.

Como foi sua experiência nas ruas de BH?

Alan: Perdi trabalho e família por causa do alcoolismo. Dormia em bancos na porta da Igreja da Boa Viagem. Uma época, bebia tanto que ia parar no hospital e, certa vez, a médica disse que se eu não parasse de beber iria morrer. Aí consegui acabar com vício.

Como você deu a volta por cima?

Alan: Depois de cortar o álcool, tentei me reintegrar à sociedade. Comecei a vigiar carros na rua Bernardo Guimarães e comprei um terno para cobrir eventos lá perto. Dois anos depois, consegui na PBH a concessão do ponto como lavador de carros e abri minha firma. Hoje sou um microempresário do ramo e trabalho à noite em um prédio. Tenho meu próprio carro, casa, contato com meus filhos e uma namorada.

Como funcionam os projetos sociais do colégio Loyola?

Marci: Temos um estágio social chamado Ronda Noturna, em que alunos do ensino médio levam lanches para moradores em situação de rua e trocam experiências com eles. Também recolheremos, até amanhã, agasalhos, bonés e cachecóis para a campanha “Doe seu Boné”, para pacientes em tratamento contra o câncer no Instituto Mário Pena (doações na avenida do Contorno, 7.919).

Como está sendo a experiência na Ronda Noturna?

Rodolfo: Vemos a realidade dos moradores em situação de rua sob nova perspectiva. Meu objetivo é sair da zona de conforto.

Marina: Ganhamos a visão de que essas pessoas são seres humanos, não são invisíveis. Às vezes elas são ignoradas, mas quando estabelecemos contato com elas, conhecemos novas histórias.

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