(Maurício Vieira/Hoje em Dia)
Dois segundos podem passar num piscar de olhos, mas é tempo suficiente para que a distração no trânsito acabe em morte. Não por acaso, o uso do celular ao volante já é a terceira maior causa de acidentes automobilísticos no país, perdendo apenas para o abuso de velocidade e o consumo de álcool antes de assumir a direção, segundo a Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet).
Em Belo Horizonte, os números comprovam que a prática irresponsável se tornou comum. Dados do Departamento de Trânsito (Detran-MG) revelam que 114 multas são aplicadas todos os dias a motoristas que insistem em dirigir falando ao telefone ou manuseando o aparelho.
E não é difícil encontrar condutores dividindo a atenção com os smartphones. Apesar de ser considerada falta gravíssima e acarretar multa de R$ 293,47, com perda de sete pontos na carteira de habilitação, a equipe de reportagem do Hoje em Dia flagrou até mesmo quem dirigia vans escolares cometendo a infração.
Para especialistas, se o avanço da tecnologia trouxe facilidades, os riscos também vieram a reboque. O cirurgião Dirceu Rodrigues Alves, diretor do Departamento de Medicina do Tráfego da Abramet, afirma que o uso do celular representa mais de 90% dos acidentes causados por desatenção.
“Uma direção segura depende essencialmente das funções cognitiva, motora e perceptiva. Ou seja, necessita de atenção, capacidade de resposta e os sentidos como tato, visão e audição. Com o telefone na mão isso é impossível”.
Automático
Dirceu Alves ainda destaca que, mesmo mantendo os olhos fixos no fluxo de automóveis, a pessoa que usa o aparelho não consegue manter 100% da atenção ao volante. “Ela passa a ter uma visão tubular e perde a referência do que se passa nas laterais do veículo. É como se estivesse no piloto automático”, ressalta.
Em muitos casos, diz o médico, o motorista não consegue nem mesmo se lembrar dos locais por onde dirigiu enquanto falava ao telefone. “Isso acontece porque o lobo frontal (parte do cérebro que gerencia as tomadas de decisões) só recebeu o que era mais importante naquele momento, ou seja, as informações ouvidas na ligação”.
A redução dos níveis de atenção acontece até mesmo com a simples mudança de estação no rádio do carro e, dependendo da velocidade, os estragos podem ser irreparáveis. Quem explica é o médico e membro da Associação Mineira de Medicina de Tráfego (Ammetra), Fábio Nascimento.
“A 60 km/h, o condutor que tira o foco do trânsito por dois segundos desloca 33 metros às cegas. Se ele se distrai no celular por oito segundos, que é o tempo médio para se ler uma mensagem na tela do smartphone, ele anda 133 metros”, calcula.
Desrespeito
Mesmo conscientes dos riscos, a maior parte dos motoristas em BH ignora a lei e a grande chance de serem multados. Assessor de comunicação do Batalhão de Trânsito da Polícia Militar, o tenente Marco Antônio Said afirma que os flagrantes são diários e acontecem o tempo todo.
O militar ressalta que mesmo quem trabalha para aplicativos de transporte, como Uber e Cabify, que usam o celular para atender chamadas de passageiros, não está autorizado a manusear o aparelho com o veículo em movimento.
“A legislação fala que o telefone pode ser adaptado ao painel apenas para gerar imagens cartográficas, como as de GPS. No entanto, para operá-lo só com o carro parado”, alerta Said.
Nas estradas
Rotina nas áreas urbanas, cenas de motoristas usando celular ao volante se repetem nas estradas que cortam Minas Gerais. Levantamento da Polícia Rodoviária Federal (PRF) aponta que 3.635 pessoas foram multadas por esse motivo nas rodovias federais do Estado em 2017 – média de dez ocorrências por dia.
A corporação ressalta, no entanto, que em caso de acidente é praticamente impossível identificar se o condutor utilizava o telefone no momento da colisão. “Geralmente, ele não deixa pistas, a não ser que ocupantes dos outros veículos informem, e o próprio condutor nunca fala que estava no celular no momento do acidente”, explica o policial rodoviário Fábio Jardim.
Subnotificação
Para o vice-presidente da Sociedade Mineira de Engenheiros (SME) e membro da Comissão de Transportes da entidade, Luiz Portela, os números podem estar abaixo da realidade, devido às dificuldades de se identificar os infratores.
Para ele, é difícil solucionar a questão no curto prazo, já que o problema passa por mudanças de comportamento dos motoristas e até mesmo mais evoluções tecnológicas. “Hoje, os veículos mais novos já vêm com o mecanismo de bluetooth (rede sem fio), que auxilia o uso do telefone para ligações. Como impedir essa tendência mundial?”, questiona.
Luiz Portela acredita que o ideal seria a tecnologia evoluir a ponto de permitir o uso do aparelho apenas com comandos de voz, bloqueando as outras funções que possam distrair os motoristas, como o envio de mensagens de texto.