Na mira da lama de barragem da Vale, igrejas tombadas protegem imagens sacras em Barão de Cocais

Simon Nascimento
25/05/2019 às 19:34.
Atualizado em 05/09/2021 às 18:49
 (Lucas Prates/Hoje em Dia)

(Lucas Prates/Hoje em Dia)

Barão de Cocais - O Santuário São João Batista, em Barão de Cocais, está ameaçado em uma possível queda do talude na Mina do Gongo Soco que pode desencadear o rompimento da barragem Sul Superior administrada pela Vale. O templo é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e foi erguido em 1.713 com contornos de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. 

O templo religioso está localizado  a cerca de 100 metros da ponte sobre o rio São João, no bairro Lagoa. O manancial é o local por onde a lama de rejeitos atingiria a cidade. Com a indefinição em relação ao futuro da estrutura de contenção de minério, imagens sacras que também são tombadas foram colocadas em cima de armários e protegidas com sacos plásticos.

Já a escultura do Senhor Morto foi levada para um cômodo no segundo andar do Santuário. “As imagens são muito antigas e com um valor, não financeiro, mas representativo e histórico, muito grande. Elas representam a história de devoção de um povo de fé”, disse o diácono José Apolinário, um dos responsáveis pelo Santuário. 

São João Batista é o padroeiro de Barão de Cocais. A tradicional festa ocorre em 24 de junho e, conforme o religioso, o cancelamento do festejo chegou a ser especulado. “O assunto hoje é barragem, mineração. A festa vai servir para mudar a rotina das pessoas, vai ajudar a superar essa angústia, esse trauma”, explica. Na festa do padroeiro, a comunidade já se mobiliza para a montagem de barraquinhas com comidas típicas como feijão tropeiro, caldos e churrasco. 

“Barão de Cocais está uma cidade doente, triste. As pessoas perderam a vontade de festejar aniversário, batizados, casamentos”, lamenta o diácono. 

Festa em Socorro

Outra preocupação é com a igreja de Nossa Senhora Mãe Augusta do Socorro. A capela foi construída em 1737 no vilarejo de Socorro que foi evacuado pela Vale com o risco de colapso da barragem Sul Superior. O templo também é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). 

A principal imagem sacra da igreja, da santa que dá nome ao espaço religioso, foi retirada de lá e levada para um local seguro no Santuário de São João Batista. “A igreja está fechada desde janeiro. Deve estar com mofo, suja, correndo risco de morcegos entrarem”, lamenta o líder religioso. 

No mês de agosto é comemorada a festa de Nossa Senhora Mãe Augusta do Socorro. Como a comunidade está evacuada e os acessos bloqueados, o festejo em homenagem à santa será realizado no Centro de Barão de Cocais. Segundo José Apolinário, moradores do distrito que estão espalhados em hoteis da cidade se mobilizam para que as comemorações ocorram. “É uma tradição de mais de 300 anos. Vamos pedir uma autorização aos órgãos competentes para tirarmos a imagem do Santuário para celebrar a festa. A comunidade perdeu a felicidade e merece este momento”, afirmou Apolinário.

Preservação

A Vale informou, por nota, que desde que identificou risco na barragem Sul Superior iniciou o planejamento de resgate do patrimônio cultural existente na mancha de inundação da estrutura.

"As ações de proteção ao patrimônio cultural estão em curso desde fevereiro e foram intensificadas em 22 de março, quando a barragem foi elevada para nível 3 de emergência. Atualmente, há equipes especializadas de três empresas contratadas pela Vale, nas ZSS, realizando a documentação, retirada e acondicionamento dos bens culturais móveis em locais seguros e adequados para abrigarem as peças. Importante destacar que as ações são tomadas em comum acordo com os órgãos competentes e prefeituras dos municípios", frisou a mineradora.

A empresa declarou, ainda, que já removeu mais de 200 itens, entre esculturas, retábulos e alfaias litúrgicas. As peças estão sob responsabilidade da Paróquia de São João Batista e estão sendo catalogadas para envio do inventário ao Ministério Público.

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