(Reprodução)
O futuro do Brasil, segundo a Netflix, é tenebroso. Em "3%", sua primeira série produzida no país, o que restará são apenas escombros das grandes cidades.
Dirigida por César Charlone -de "O Banheiro do Papa" e diretor de fotografia de "Cidade de Deus"-, a primeira temporada, de oito episódios, entra no ar no mundo inteiro nesta sexta-feira (25).
Essa história, porém, começou em 2009, quando o estudante de cinema da USP Pedro Aguilera, então com 20 anos, leu os clássicos "Admirável Mundo Novo" (1932), de Aldous Huxley, e "1984" (1949), de George Orwell.
Aguilera quis ligar a atmosfera totalitária da literatura distópica com a angústia juvenil. A sacada foi usar os processos seletivos que ele próprio enfrentava nessa fase da vida: vestibular, primeiro emprego etc.
Com os colegas Dani Libardi, Daina Giannecchini, Ivan Nakamura e Jotagá Crema, criou uma piloto sobre uma terra arrasada, onde os habitantes têm uma única chance na vida de escapar para uma espécie de paraíso. E adivinhe quantos passam na seleção? 3% da população.
A turma da USP sabe do que está falando: eles próprios foram reprovados quando submeteram "3%" em um edital do Ministério da Cultura em 2010. Mas ali conheceram o produtor Tiago Mello, que comprou a ideia e, cinco anos depois, emplacou a série na Netflix -não sem antes amargarem rejeições uma série de canais pagos (97% deles?).
Foi nesse momento que a Netflix, com intenção de produzir no Brasil, se deparou com a versão amadora de "3%", que fazia certo sucesso no YouTube.
Segundo Erik Barmack (vice-presidente de conteúdo original internacional da Netflix), a empresa sabia que os brasileiros gostavam de ficção científica e fantasia. "O que não significava que íamos encomendar algo desse gênero. Mas quando essa história chegou até nós, essas informações nos deram o conforto de que seria a decisão certa", afirmou em março, em uma conferência para o mercado audiovisual no Rio de Janeiro.
Os criadores não podem falar em valores. A reportagem apurou que o orçamento da série está na casa dos R$ 10 milhões, valor compatível com a realidade do audiovisual nacional. Comparando, estima-se que a Netflix gaste 20 vezes mais em uma temporada da inglesa "The Crown".
Meritocracia
Ao desenvolver o roteiro, os criadores não esperavam estrear em um momento de crise. Ver na tela um Brasil apocalíptico, arrasado por alguma tragédia (não explicada no roteiro) e onde o discurso da meritocracia anula as regras num vale-tudo entre os competidores, pode até soar como niilismo.
Para o diretor Charlone, porém, é o contrário: "Todas essas distopias têm um fundo semelhante: o futuro é uma merda, mas a promessa do que virá é maravilhosa".
A história apresenta a seleção na qual 3% serão vitoriosos ao mesmo tempo em que abre um flanco revolucionário, que se fortalece no 104º ano do "processo".
Um grupo tenta infiltrar um jovem na seleção para aniquilar a estrutura totalitária. O mistério sobre quem é esse agente é uma das principais tramas do primeiro episódio.
Entre os competidores, o principal nome é o de Bianca Comparato, atriz escalada antes mesmo do diretor. Ela faz a valente e maltrapilha Michele, forte concorrente a deixar o Continente (o país arrasado) e migrar para o Mar Alto (ilha tecnológica, onde nada falta).
Do lado dos controladores, destaca-se Ezequiel (João Miguel), claramente inspirado no Grande Irmão de Orwell, aparecendo em telas gigantes e vociferando regras.
Cenários paulistanos podem ser identificados, mas o trunfo do seriado, nas palavras do produtor, é seu diálogo com um sentimento universal de desesperança. "Há uma insatisfação geral no mundo", afirma o produtor Tiago Mello. "Ao mesmo tempo, a série trata de um tema bem brasileiro, a desigualdade."
Num mundo como o nosso atual, que até parece apocalíptico, diz ele, ficções como "3%" provocam uma espécie de catarse: "Elas nascem num campo simbólico para fazer toda essa violência e injustiça se chocarem na tela".
NA TV
3%
QUANDO: primeira temporada completa a partir de sexta (25), na Netflix