No dia seguinte

16/04/2016 às 15:27.
Atualizado em 16/11/2021 às 02:58


Passado o momento mais crítico das tensões políticas em torno do impeachment presidencial, cabe a seguinte indagação: como equacionar a atual crise econômica que se manifesta pelas incertezas em relação ao futuro, pelas elevadas e crescentes taxas de desemprego e pelo desalento entre quem produz, quem consome e quem forma o capital nacional? Em primeiro lugar, deve-se buscar um equilíbrio entre o tempo econômico e o tempo político. Ou seja, um equilíbrio na inconsistência cronológica entre os imperativos do tempo da economia e o tempo da urgência política em termos das tensões e conflitos sociais ao longo dos próximos meses.

Uma população altamente mobilizada pelas práticas recentes de ação coletiva, que vivenciou pelo menos uma década de intensa mobilidade e progresso social, não está disposta a se conformar com o seu empobrecimento e sua decadência econômica e social. Particularmente quando assiste à concentração da riqueza financeira induzida pelo avanço das práticas inusitadas de corrupção administrativa, pelas medidas de austeridade fiscal que são portadoras de pesados e efetivos custos sociais no presente em troca de benefícios dispersos e incertos num futuro distante.

De fato, políticas econômicas de curto prazo, que lidam com problemas de inflação, de flutuações nos níveis de produção e emprego, têm de ser operadas dentro das restrições impostas por um tempo histórico e irreversível. É indispensável tomar essas restrições e condicionalidades como ponto de partida. Se, nos momentos tumultuados do presente, quisermos resolver graves questões econômicas com orientações estratégicas, que somente são eficazes no longo prazo, as políticas econômicas podem fracassar. Assim, como dizia Keynes, no longo prazo poderemos estar todos mortos.
Keynes, com esta afirmação, estava simplesmente nos lembrando que os economistas podem tornar a vida mais fácil se, em momentos de tempestades, se limitarem a apontar caminhos de tranquilidade que estão além dos mares revoltos, sem demonstrar, contudo, como é possível atravessar o quadro das dificuldades presentes, preservando as conquistas realizadas.

Desta forma, há algumas estratégias que têm sido formuladas pelas políticas econômicas do governo federal que são equivocadas, ineficazes e indutoras de maiores incertezas. Entre essas, destacam-se as tentativas de ajuste fiscal que misturam simultaneamente ações operacionais de curto prazo (corte de despesas, contingenciamentos, etc.) com ações reestruturantes de médio e de longo prazo (reforma da previdência, mudanças na legislação trabalhista, etc.) Como resultante, lança-se sobre o Congresso Nacional uma avalanche de mobilizações e pressões políticas que provocam intermináveis debates e controvérsias inconclusivas e muitas vezes estéreis.

São frequentes também propostas de mudanças que se processam sem uma rede de precedência. Sem considerar a interdependência entre o sequenciamento, o ritmo e a intensidade das ações programadas, os resultados normalmente podem ser inesperados, contraditórios e inconsistentes com o escopo e os objetivos das mudanças desejadas. É ilusório achar que ações sem intensidade são capazes de quebrar as resistências às mudanças. Ou que haverá grandes transformações realizando-se apenas o que politicamente for possível em qualquer cadência ou sequenciamento comandados por fatores aleatórios, se o que for possível não for o imprescindível.

A partir dessas reflexões, é possível arquitetar um conjunto de ações que compatibilizem o tempo econômico e o tempo político numa sociedade em transição na qual há convergência simultânea do fracasso de dois modelos. Um modelo baseado na “nova matriz econômica” que desestruturou os principais instrumentos e mecanismos de funcionamento de uma economia relativamente estável e que crescia satisfatoriamente. Um modelo baseado no presidencialismo de coalizão que transformou o processo de formação da base aliada num grande balcão de negócios e de corrupção epidêmica.

Há um conjunto de cinco ações programáticas politicamente factíveis que podem resgatar os fundamentos econômicos do país. Primeira: programar e executar ex-ante um superávit primário de três por cento do PIB, como meta e não como resíduo; assim, pode-se estabilizar a relação da dívida pública com o PIB, eliminando-se a hipótese de insolvência de nossa economia. Segunda: realizar uma experiência de orçamento de base zero, com déficit zero para evitar a expansão da dívida pública. Terceira: com as expectativas inflacionárias inflexionadas, poderá se reduzir sensivelmente a taxa de juros básica e induzir a expansão de uma economia que opera com crescente capacidade ociosa. Quarta: propor negociar e implantar as reformas de base da economia (institucionais e microeconômicas) até as eleições de 2018, num tempo político indispensável para a gestão dos conflitos de interesses. Quinta: articular as medidas de ajuste com um plano de desenvolvimento sustentável de médio e de longo prazo à semelhança da experiência Campos-Bulhões nos anos l960.

Se esse conjunto de ações for inteligentemente implementado por mãos experientes e pragmáticas e através de conversações interpartidárias, é possível que até o final do segundo semestre deste ano, a taxa de inflação fique nos limites da meta, a economia retome o seu crescimento e as expectativas e aspirações se revertam na direção do progresso econômico e social. No dia seguinte, após as tormentas, é preciso sempre cultivar a esperança de grandes transformações, pois como diz Guimarães Rosa “as coisas mudam no devagar depressa dos tempos”.

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