(Agência Brasil)
Integrante da equipe responsável por auditar a dívida pública grega neste ano e a dívida pública equatoriana em 2007, Maria Lucia Fattorelli é uma crítica implacável do modelo econômico vigente. A auditora da Receita Federal acredita que esses mecanismos, mesmo respaldados pela legislação, formam um grande esquema que consome R$ 2,7 bilhões, todos os dias, do erário. Desde 2001, Fattorelli coordena a associação Auditoria Cidadã da Dívida, cujo maior objetivo é justamente realizar a auditoria da dívida pública brasileira, hoje superior a R$ 4 trilhões.
Por que é importante compreender o modelo econômico do Brasil?
O modelo é voltado justamente para a concentração de renda. Só quando entendemos isso podemos compreender porque o modelo tributário é injusto e regressivo, tributando principalmente as baixas rendas e os assalariados. Não tributa distribuição de lucros, remessa de lucros para o exterior, não tributa fortuna, dá isenção em vários casos e benesses aos bancos. As metas não são de pleno emprego e vida digna para as pessoas, mas estéreis, que alimentam o sistema da dívida. O resultado disso é um desenvolvimento socioeconômico travado. Faz parte desse modelo a política salarial restritiva. Os trabalhadores são mal remunerados e recorrem a empréstimos, favorecendo o setor financeiro.
Quais são essas metas estéreis?
As metas de superávit primário e inflação. O superávit primário é uma economia forçada obtida a partir do corte de gastos sociais em todas as áreas, educação, saúde etc., do corte de investimentos, do aumento de tributos, e também de recursos advindos de contínuas privatizações. E o superávit primário é destinado para pagar dívida. A outra é a de inflação. Somos contra a inflação, mas essa meta tem sido uma desculpa para a persistência dos juros altos, que não controlam a inflação.
E o que há de errado com a dívida pública?
Todo mundo entende dívida como aporte de recursos. Você faz uma dívida, recebe o dinheiro e depois tem de pagá-lo. Na dívida pública é o contrário, não há contrapartida. Todas as investigações que temos feito revelam que o endividamento público tem sido usado como um mecanismo que absorve recursos públicos e favorece ao setor financeiro. É o que denominamos Sistema da Dívida.
É usado de qual forma?
Por meio de mecanismos que geram dívida sem contrapartida. Por exemplo, operações chamadas de mercado aberto ou compromissadas. O Banco Central calcula a base monetária – um determinado volume de recursos que seria ideal na economia. Aqui no Brasil esse cálculo é muito baixo. Qualquer valor acima disso em poder dos bancos, o Banco Central interpreta que vai gerar inflação, e o que ele faz? Retira o recurso excedente dos bancos e entrega títulos da dívida pública. O Banco Central detém hoje quase R$ 1,1 trilhão nesse tipo de operação. Imagine se esse R$ 1 trilhão estivesse no caixa dos bancos? Eles não iam querer ficar com o dinheiro parado e, então, teriam de diminuir os juros. Também há o swap cambial, operação usada pelo Banco Central quando o dólar está desvalorizado. O BC, baseado em um teoria altamente questionável, avalia que, se o mercado financeiro comprar muito dólar, vai gerar inflação. Então pede para o mercado não comprar dólar e assina um contrato de swap: se o dólar subir, o BC paga a diferença. Essas operações geraram mais de R$ 150 bilhões nos últimos 11 meses, prejuízo transferido para a conta dos juros e pago com títulos de dívida pública.
Qual seria a solução?
O primeiro passo é realizar a auditoria da dívida pública, prevista na Constituição. Assim, poderemos separar as dívidas reais, com alguma contrapartida, desse restante que é referente a mecanismos que não podem ser considerados como dívida a ser arcada por toda a sociedade. Isso é outra coisa, não é dívida pública. O Equador deu uma lição de soberania ao mundo e mostrou a efetividade da auditoria.