Pesquisa da CNC mostrou ainda que o número de consumidores que não terão condições de quitar as dívidas somou 13,2% em novembro (Mikhail Nilov/Pexels)
"Ninguém vai ganhar presente de Natal neste ano". Essa foi a determinação da técnica em patologia Vanilda Soares Ramos, de 47 anos, para a família e amigos. Cansada de pagar dívidas e só se livrar das parcelas dos presentes quase no Natal do ano seguinte, ela decidiu radicalizar. "As coisas estão mais caras e há anos não tenho aumento de salário", diz a estudante de biomedicina que tem 70% do salário comprometido com o cartão de crédito.
A situação de Vanilda é muito mais comum do que se pode imaginar. Ela faz parte de um grande grupo que vê o salário "sumir" todo mês apenas com o pagamento de dívidas. Em Belo Horizonte, esse grupo representava quase 90% dos consumidores em novembro - o segundo maior do ano, atrás apenas de julho (90,1%).
O número - 89,8% - é 2,5 pontos percentuais superior a outubro e representa o segundo mês consecutivo de aumento. Os dados são da edição regional da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo e apurada pelo núcleo de Estudos Econômicos da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de Minas Gerais (Fecomércio MG).
De acordo com o estudo, se comparado com o mesmo período do ano passado, o endividamento apresentou um aumento de 1,1 ponto percentual. “A retomada do fluxo de pessoas no comércio e a proximidade com o Natal, principal data comemorativa do ano para o setor, acarreta um aumento do consumo e, consequentemente, da busca pelo crédito. Esse comportamento, acrescido a outros fatores conjunturais, como a inflação, pressiona o nível de endividamento das famílias para cima”, explica a economista da Fecomércio MG, Gabriela Martins.
Cartão de crédito
E o principal tipo de dívida é o cartão de crédito, cada vez mais usado para as compras do dia a dia. Esse comportamento resulta em 86,8% dos endividados comprometidos com esta modalidade. O cheque especial (16,6%) e o carnê (15,5%) também estão entre as formas mais utilizadas.
Para Vanilda, a única forma de conseguir adquirir alguma coisa é com o parcelamento no cartão de crédito. "Nele estão minha viagem de férias em outubro, que parcelei em dez vezes, rematrícula da faculdade e até meu dentista", conta.
O levantamento aponta ainda que as dívidas comprometem, em média, 31,9% da renda familiar. Esse é o percentual médio de comprometimento da renda com dívidas, afirma a economista Gabriela Martins. "De modo geral, é complicado afirmar se esse é ou não um valor muito elevado. Se uma pessoa tiver um bom controle orçamentário e um planejamento financeiro bem traçado, esse patamar não gera nenhum problema, sendo até mesmo algo estratégico. Mas, para as pessoas que não possuem esse planejamento, qualquer nível de endividamento pode desencadear outros problemas, tais como a inadimplência", explica.
Em atraso
E aí também está outro grande problema dos belo-horizontinos neste ano. Além do endividamento alto durante 2022, a inadimplência é preocupante. Em novembro, 41,3% da população estava inadimplente - ou seja, com dívidas em atraso -, valor 0,9 ponto percentual inferior ao observado em outubro.
"Apesar de a inadimplência ter apresentado uma redução, o patamar pode ser considerado bastante elevado. Precisamos pensar que, quando uma pessoa se torna inadimplente, o seu acesso ao crédito fica limitado e isso gera um impacto negativo nos níveis de consumo, o que acarreta, consequentemente, resultados negativos para toda a economia, em especial para o setor do comércio. Dessa forma, qualquer nível de inadimplência é nocivo à saúde econômica", ressalta Gabriela.
A especialista destaca que o ideal é manter o controle orçamentário em dia e sempre contar com os gastos fixos do mês (água, luz, aluguel). Ela orienta que é preciso que haja também uma reserva de emergência, para que as surpresas do dia a dia não se tornem um descontrole. "O limite 'aceitável' de endividamento é o que compromete até 50% da renda familiar mensal. Com esse limite é possível que a pessoa assegure sua renda de subsistência e consiga conciliar os gastos mensais com os pagamentos de dívidas", afirma.