O direito à vida

25/03/2016 às 19:19.
Atualizado em 16/11/2021 às 02:38

Muitas famílias brasileiras receberam uma notícia esta semana que pode alterar completamente suas rotinas construídas sob angustiante sofrimento. Em sequência a uma dramática disputa que ocorre nos tribunais brasileiros, distante dos olhares da opinião pública, a Anvisa cumpriu determinação recente da Justiça e liberou a importação de medicamentos e produtos derivados da maconha para tratamentos de saúde. A medida é polêmica e ainda terá novos desdobramentos na esfera jurídica, mas representa imensa esperança para milhares de pessoas – e parentes próximos – que sofrem de graves doenças neurológicas e são resistentes a tratamentos convencionais.

Alguns casos foram mostrados pela imprensa a partir de março de 2014, quando um casal de Brasília entrou com ação na Justiça para ter o direito de importar as drogas CBD (Canabidiol) e THC (tetrahidrocanabinol), encontradas na Cannabis Sativa, planta da qual se produz a maconha. O objetivo deles era tratar a filha Anny, de 5 anos, portadora de patologia cerebral rara e que provocava muitas convulsões.

A família de Brasília comprava o produto ilegalmente, mas queria o direito de ter acesso ao medicamento no Brasil sem restrições, pois a vida da menina havia mudado completamente desde que passaram a usá-lo de forma medicinal. Em pouco tempo de tratamento, Anny deixou de ter as convulsões – que chegavam a 80 crises por semana – e passou a responder melhor em outras situações de seu desenvolvimento.

Em abril passado, os pais conseguiram a autorização. Na decisão, o juiz Bruno César Bandeira Apolinário, da 3ª Vara Federal de Brasília, afirmou: “Neste momento, pelos progressos que a autora tem apresentado com o uso da substância, com uma sensível melhora da qualidade de vida, seria absolutamente desumano negar-lhe a proteção requerida”.

Essa opinião, entretanto, não é unânime. A própria Anvisa se declara contrária e já anunciou que vai recorrer da decisão. A agência alega que a segurança e a eficácia das substâncias não foram comprovadas. Como instituição pública destinada a zelar pela saúde da população, a Anvisa está correta em expor preocupações. Mas nesse caso está criando obstáculos desnecessários.

Substâncias derivadas da maconha já são usadas nos EUA, Canadá, Inglaterra, Espanha, Alemanha e Israel para tratamentos contra Mal de Parkinson, esclerose múltipla, HIV/Aids e câncer, além de casos graves como o de Anny. Muitas famílias não podem esperar e, infelizmente, não faltam exemplos no Brasil a serem considerados pela Anvisa.

Em junho de 2014, por minha iniciativa, a Câmara realizou audiência pública para debater a questão. Objetivo foi colocar em discussão o atraso do Brasil em relação a algumas inovações da biomedicina. Muitas vezes, por excesso de burocracia, falta de informação e preconceito, parte da sociedade é obrigada suportar situações extremamente dolorosas e cruéis. Na semana em que a reunião foi realizada, uma criança de 12 anos faleceu enquanto aguardava liberação do Canabidiol na alfândega brasileira.

Ainda precisamos conseguir que o medicamento seja fornecido a famílias que não podem arcar com o tratamento. Mas a liberação anunciada pela Anvisa mostra que o país está preparado para assimilar mudanças e superar divergências. A notícia é alento na semana marcada pela tristeza de mais um ataque terrorista na Europa e pela indignação das contínuas e graves revelações sobre a crise política nacional.

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