O julgamento da Samarco

28/11/2016 às 15:20.
Atualizado em 15/11/2021 às 21:51

Passou praticamente despercebida a convocação da audiência pública sobre o licenciamento ambiental do novo sistema de disposição de rejeitos da Samarco. Na última terça-feira, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Semad) publicou um quadradinho no Diário Oficial do Estado com o texto da convocação. Não foi por maldade, acredito. As comunicações oficiais são assim mesmo. As vezes algumas questões absolutamente relevantes ficam escondidas em meio a uma enormidade de burocracias irrelevantes publicadas no Minas Gerais.

Essa, por exemplo, é novidade quentíssima. Diz respeito à preparação da Samarco para voltar a operar. A empresa apresentará para apreciação e discussão públicas o Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) do novo sistema de disposição de rejeitos “Alegria Sul” que substituirá a Barragem do Fundão. Se conseguir o licenciamento, a empresa terá dado um enorme passo na direção do retorno das operações. Serão duas reuniões, uma em Ouro Preto e outra em Mariana, nos dias 14 e 15 do próximo mês, respectivamente.

Este será o primeiro teste público de aceitação do retorno das atividades da mineradora pelas comunidades atingidas no acidente de novembro do ano passado, o maior desastre socioambiental já registrado no país. Por isso as audiências são tão relevantes. Se as comunidades disserem um claro “não” à Samarco, esse será o ponto final para a empresa. Depois das mortes de 19 pessoas, do soterramento de uma vila histórica e da destruição do rio Doce, a empresa só terá legitimidade para voltar a operar se contar com o respaldo claro e majoritário da sociedade.

O futuro da empresa está nas mãos do juiz mais legítimo: a população atingida

Não sou de Mariana nem perdi propriedades ou parentes em Bento Rodrigues. Minha opinião, portanto, vale pouco. Apenas torço para que o debate reflita os reais interesses e sentimentos dos atingidos e que não seja contaminado por ativismos (não faço aqui juízo de valor da atuação dos grupos de ativistas em Mariana, mas acredito que o momento é de ouvir diretamente a comunidade).

O que será apresentado pela Samarco é o seguinte: a empresa pretende voltar a operar com 60% da capacidade produtiva em julho do próximo ano. Para tal, utilizará a cava da mina Alegria Sul como depósito de rejeitos. A cava tem capacidade para receber 17 milhões de metros cúbicos de lamas, o que garantirá a operação da Samarco por apenas dois anos. As lamas ficarão confinadas dentro de um ‘grande buraco’, que não oferece nenhum risco de rompimento, ao contrário de uma barragem de rejeitos. Nos dois anos de uso deste depósito, a empresa desenvolverá projetos definitivos para disposição dos resíduos. Várias opções estão sendo levantadas e os estudos ainda estão embrionários, mas algumas alternativas levantadas dispensam barragens.

Paralelamente ao licenciamento da nova estrutura de disposição de rejeitos, a Samarco terá que buscar a Licença de Operação Corretiva dos demais processos produtivos, já que todas as licenças de operação da empresa foram suspensas após o acidente. No final, o que se buscará será o licenciamento integrado de toda a operação, que vai da mineração, tratamento e concentração do minério em Mariana, transporte por mineroduto até o Espírito Santo, produção de pelotas no complexo industrial e embarque marítimo em porto próprio no município de Ubu, naquele estado.

Nas audiências públicas, a população terá a oportunidade de ratificar ou não o retorno da operação. Um julgamento baseado no imponderável (o sentimento da população em relação à empresa no pós-acidente), mas também em questões absolutamente ponderáveis (os empregos e os impostos pagos pela Samarco). O futuro da empresa está, portanto, nas mãos do juiz mais legítimo para tal julgamento: a população atingida.

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