Vocês confiam no Fundo Monetário Internacional? Eu não entregaria para eles nem a gestão das contas lá de casa. São capazes de cortar o leite das crianças para colocar as contas em dia. Foi mais ou menos isso que recomendaram ao governo brasileiro em relatório divulgado na semana passada. Reiteraram a estimativa de crescimento do nosso PIB em 0,5% no próximo ano e geração de superávit primário apenas em 2019 (se seguirmos sua cartilha) ou 2020 (se continuarmos na atual toada do ajuste fiscal, que eles consideram frouxo).
Para antecipar em um ano o superávit primário, o FMI recomenda um forte reforço na política fiscal, com aumento de impostos. Assim, a dívida bruta chegaria ao pico de 85,8% do PIB em 2020 e passaria a cair a partir de então. Do contrário, a dívida iria a 93,5% do PIB em 2021, com risco de continuidade descontrolada de crescimento.
Os senhores do FMI pontuam o que devemos fazer: apertar ainda mais o teto das despesas (acima do que já está previsto na PEC 241, que congela o gasto público da União em termos reais), estabelecer a mesma regra para os estados, desindexar os benefícios da Previdência Social do salário mínimo e demitir uma leva de funcionários públicos federais e estaduais que hoje são amparados por estabilidade no emprego. Isso do lado das despesas. Já nas receitas, recomenda a elevação da Contribuição de Intervenção sobre o Domínio Econômico (Cide), imposto que recai sobre os combustíveis, do PIS/Cofins e do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
Trata-se do mesmo receituário imposto aos PIIGS (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha) e que transformou um desajuste fiscal pontual numa crise econômica sistêmica sem precedentes na Europa. O médico, como já foi provado, é incompetente, e o remédio, fatal para o doente. Será que vamos embarcar nessa?
A verdade é que já embarcamos, mas não de maneira tão radical como propõe o FMI, o que talvez seja ainda pior. O governo pratica hoje um arremedo de ajuste fiscal que ainda está longe de ser bem-sucedido. Cortou-se onde não deveria, nos investimentos que movem a economia. Mas os gastos continuam subindo e assim será no próximo ano. E as receitas de impostos estão em queda livre por conta da recessão. Com o desencontro entre receitas e despesas, o financiamento do déficit se dá pelo aumento da dívida pública, que adquiriu uma dinâmica absolutamente fora de controle.
No próximo dia 30, o IBGE divulgará o PIB do 3º trimestre e a expectativa é que a contração será de 1%, ou pouco mais, na comparação com o trimestre anterior. Isso, apesar da expectativa de um crescimento da safra de grãos da ordem de 14%, o que mostra que a crise de produção industrial e de consumo interno é ainda mais grave. Se confirmado, a perspectiva de inversão da curva de crescimento será lançada ao infinito.
Lembram que alertei, quando do golpe de maio, que o impulso nos índices de confiança do empresariado era injustificado, pois não haveria mudança na ortodoxia recessiva da política econômica? Então. A frustração atual das expectativas é pior do que se os empresários nunca tivessem apostado numa melhora do quadro econômico com a troca de governo. O abalo psicológico torna ainda mais complicada a retomada dos investimentos privados.
Enquanto o governo aposta todas as suas fichas na PEC do teto e no encaminhamento da reforma da Previdência, as contas se deterioram. E a bomba não explodirá na União, que bem ou mal consegue se financiar emitindo títulos da dívida. A coisa toda irá se esfarelar nos estados, que não são autofinanciáveis. E o socorro federal à quebradeira geral dos estados, da qual o Rio de Janeiro é somente a ponta do iceberg, criará a perspectiva da falência do país. Aí recorreremos ao FMI, que nos imporá mais ajuste fiscal. E, assim, nos transformaremos na primeira Grécia fora da Europa. Quando se dará isso? Pelo andar da carruagem, acredito que já no próximo ano.