Guilherme da CunhaAdvogado pós-graduado em Direito Tributário e deputado estadual, coordenador da Frente Parlamentar pela Desburocratização

Fiscais de papel

27/11/2020 às 18:45.
Atualizado em 27/10/2021 às 05:09

Semana passada, um acidente entre um ônibus e um caminhão no interior de SP, no qual quarenta e uma pessoas perderam a vida, causou comoção no país.
A Artesp, agência fiscalizadora dos serviços de transporte intermunicipal de passageiros de SP, correu a público para dizer que a empresa que operava o ônibus funcionava de maneira ilegal desde 11 de outubro de 2019. Informou, também, que desde então a empresa teve outras quatro viagens interrompidas por “fretamento irregular”.

É curioso, e muito triste, que a primeira preocupação da agência reguladora tenha sido explicar que a papelada estava errada. Que a agência não tenha dito uma única palavra sobre as condições de segurança do veículo, se os pneus estavam ou não carecas, se os freios ou cintos de segurança funcionavam, se os motoristas eram habilitados. Só falaram da papelada, como se ela fosse bastante para garantir segurança e como se não houvesse existido, na Assembleia de Minas, uma audiência pública na qual foram exibidas fotos e mais fotos de pneus carecas e cintos defeituosos da Gardênia, empresa de ônibus que opera no Sul de Minas com a papelada toda linda.

E acho estarrecedor que a agência informe desde qual data exata a empresa operava na ilegalidade, esta data tenha mais de um ano, mas tenha permitido que os ônibus continuassem a circular. Aliás, que tenham continuado a circular mesmo após terem sido apreendidos quatro vezes.

O caso ilustra como a fiscalização no Brasil se tornou algo meramente de papel. Fiscais que deveriam estar nas ruas avaliando o funcionamento de itens de segurança e capacidade dos motoristas, muitas vezes ficam atrás de mesas de escritório verificando se a lista de passageiros foi comunicada com doze horas antecedência, se o mesmo grupo inscrito para a viagem de ida está inscrito para a viagem de volta, se são todos alunos de uma mesma universidade ou trabalhadores de uma mesma empresa. Acreditem, todos esses itens esdrúxulos que citei são requisitos que fazem um transporte ser regular ou irregular. O que eles têm a ver com segurança?

Não culpo os fiscais. Eles têm que fiscalizar o que a lei manda. O problema está nas nossas leis, que refletem uma mentalidade cartorial ultrapassada. Precisamos que elas deem mais liberdade para quem quer trabalhar e focar a fiscalização no que é de fato essencial: garantir, fiscalizando no mundo real, se tudo está seguro. Que o acidente de ônibus da Star, em Taguaí, e principalmente a reação da Artesp, nos sirva de ensinamento neste caso: não dá mais para fingir que tá tudo bem só porque alguém tem um papel com um carimbo.

  

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