Guilherme da CunhaAdvogado pós-graduado em Direito Tributário e deputado estadual, coordenador da Frente Parlamentar pela Desburocratização

Passando a boiada

26/02/2021 às 17:37.
Atualizado em 05/12/2021 às 04:16

Em uma reunião ministerial com o presidente da República, em 22/04/2020, uma frase do ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, causou espanto e repúdio: ele sugeriu que, com as atenções do país voltadas para a Covid, era hora dos ministérios mudarem regras sobre temas controversos que, em tempos de normalidade, poderiam ser questionadas e, com isso, “passar a boiada”.

Quem acompanha a política no Brasil poderia compartilhar do repúdio, mas não do espanto. Aproveitar de momentos em que a opinião pública está focada em outro assunto, ou de momentos de comoção nacional, para alterar normas “abaixo do radar” ou a toque de caixa é prática mais do que comum.

Quem faz uso dessa prática se aproveita tanto dos momentos em que o debate público está totalmente focado em outro assunto quanto dos que o debate público está inteiramente focado no próprio assunto, como se uma “resposta rápida” fosse. O resultado é sempre um só: normas criadas com pouco ou nenhum diálogo e sem espaço para absorção de pontos de vista distintos. O rolo compressor simplesmente passa por cima, sem que a população veja ou consiga se organizar a tempo de reagir.

Exemplos clássicos dessa prática são emendas com matéria impopular de última hora em projetos que já ganharam algum rótulo amigável na opinião pública, ou para os quais pouca atenção é dada, ou, alterações na legislação penal após um crime violento.

Uma tentativa de “passar a boiada” está ocorrendo no Congresso Nacional. Na sequência da prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), que despertou a atenção do país sobre os limites da imunidade parlamentar e as hipóteses em que a prisão de um deputado é permitida, 181 deputados assinaram uma Proposta de Emenda à Constituição para, em tese, regular mais detalhadamente a matéria e evitar conflitos futuros entre Legislativo e Judiciário. É a PEC 3/2021.

Digo “em tese” porque a PEC vai além de regular detalhadamente os casos de prisão de parlamentares. Em seu texto original, a PEC 3/2021 limita o alcance da Lei da Ficha Limpa, limita os procedimentos de busca e apreensão que podem ajudar a encontrar provas de crimes praticados por políticos, impede que pessoas caluniadas por políticos possam buscar indenização na Justiça e impede a suspensão do mandato de quem pratique crimes comuns ou utilize o mandato para praticar crimes.

O rito normal de tramitação de uma PEC exige análise pela Comissão de Constituição e Justiça e por uma comissão formada especialmente para debatê-la. A PEC 3/2021 foi incluída na pauta do plenário sem passar por nada disso, no dia seguinte ao que foi protocolada. O discurso é o da necessidade de resposta rápida à prisão do deputado fluminense. A verdade é a boiada tentando passar.

  

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