Há uma teoria que explica como locais ou sociedades passam a viver um crescimento da criminalidade a partir de pequenas degradações no ambiente: a teoria das “janelas quebradas”, de James Wilson e George Kelling.
Os pesquisadores constataram que sinais de atividade criminosa e desordem em um local criam ambientes que encorajam a prática de crimes e infrações mais graves, e que uma maneira de evitar essa escalada de gravidade é combater os delitos em seu nascedouro, reforçando o respeito à lei e à ordem e impedindo que os problemas cresçam. O nome da teoria vem de uma comparação com um edifício no qual janelas quebradas transmitiriam sensação de abandono que encorajaria despejo de lixo, vandalismo e até a invasão do próprio imóvel.
A teoria encontrou a prática em Nova York, tendo sido uma das bases da política que ficou conhecida como “tolerância zero”, do ex-prefeito Rudolph Giuliani. Antes uma das mais perigosas dos EUA, após uma década NY passou a ser uma das cidades mais seguras daquele país, com queda de todos os crimes e redução de 82% no índice de homicídios.
É possível fazer um paralelo entre essa teoria e as contas públicas brasileiras, na qual telhados (ou tetos) furados substituem as janelas. Nossas contas estão deficitárias há anos e o estrago é tão grande que a previsão é que, mesmo com disciplina fiscal, ainda serão deficitárias por mais uma década. E disciplina fiscal exige respeito ao teto de gastos.
A principal função do teto é forçar o reconhecimento do óbvio - que dinheiro não dá em árvore - e o estabelecimento de prioridades. Ele não impede que nada essencial deixe de ser feito, apenas exige que se corte o supérfluo ou o menos urgente quando algo mais importante exige investimento.
A proposta apresentada pelo governo Bolsonaro, de furar o teto para financiar o Auxílio Brasil, é um furo no telhado da nossa já combalida casa através do qual pode entrar uma infiltração que ruirá toda a estrutura. O problema não é o auxílio. Em um orçamento total de R$1,6 trilhão, os R$35 bi do auxílio não são despesa impossível de ser acomodada. O problema é a falta de disposição de cortar outras despesas.
Não faltam despesas para cortar, como supersalários, pensões especiais e fundão eleitoral. O que falta é disposição no governo em combater privilégios, estabelecer prioridades e fazer o necessário para recolocar o Brasil nos trilhos. Hoje é o Auxílio Brasil, amanhã pode ser outra coisa. Afinal, se o governo considera que os absurdos acima têm que permanecer no orçamento, o que seria menos importante para ficar de fora dele?