Professor WendelFormado em Comunicação Social e Artes Cênicas pela UFMG. Professor universitário e deputado estadual pelo Solidariedade

A vida é rara

Publicado em 06/02/2023 às 14:31.

Neste mês dedicado a falar sobre as doenças raras, escolhi trazer uma abordagem diferente para refletirmos acerca da vivência e dos desafios enfrentados pelas pessoas com doenças raras e suas famílias. Uma crônica baseada nas muitas mães e histórias que conheci. Faço um pequeno recorte das dores e diversas demandas das quais ao longo da minha caminhada parlamentar pude me inteirar.

Uma mãe acorda no meio da noite, sem saber se já é madrugada. Vai ao encontro de seu filho, mais uma vez em crise. Dói-lhe o corpo, cansado, incapaz de se entregar a um sono ininterrupto e restaurador de fato, mas lhe dói mais o coração. Ela sabe que seu filho se tivesse o direito da escolha, não estaria deitado em um leito hospitalar dentro da própria casa, também incapaz de se entregar a um sono ininterrupto e restaurador.

A maior dor dessa mãe não é nem a falta de tempo para si, ou ter de acordar abruptamente pelas tantas da madrugada. Ela sabe que a vida tem dessas, e no auge dos seus 40 anos, ela meio que já entendeu como funciona a doença; sem cura e sem perspectiva de melhora; de seu filho. O que mais lhe dói é ver uma criança de 9 anos nessa situação, privado da vida de menino e fadado à dependência de terceiros. Ter a ciência de que ele nunca viverá a vida plena, os sonhos e tudo que uma mãe naturalmente deseja para seu filho, lhe vem como um soco na boca do estômago.

Dos raros dias em que ela não acorda no meio da noite com as crises de seu filho, acorda com suas próprias crises. E se algo a acontecer? À quem ele teria? Quem cuidaria da criança com a atenção necessária? Nunca foram uma família rica ou sequer com os recursos básicos necessários para viver com tranquilidade. Mesmo antes do pai pular do barco e levar o bote salva vidas, os deixando à deriva.

O pai, é como se nunca estivesse estado presente, como se naquela quarta-feira em que ele a acompanhou em um dos últimos ultrassons de rotina, e receberam a notícia que o filho deles não falaria, não desenvolveria a cognição e com alguma sorte e muita fisioterapia, talvez fosse capaz de agarrar algum objeto. Infelizmente o que era pra ser o pai de seu filho agiu como se de repente ele não tivesse mais uma família, mas um futuro fardo, pesado demais para ajudar a carregar.

E nem toda a ajuda do círculo de apoio dessa mãe seria capaz de “dar conta do recado”. A falta de atuação do poder público, que majoritariamente faz vista grossa para famílias nesta condição, o deficit no sistema de saúde pública; desde o acesso às terapias necessárias até a disponibilidade de medicamentos; exorbitantemente caros em sua maioria. Isso sem contar os gastos adicionais com transporte a tantos hospitais e clínicas.

A doença rara pode gerar muitas limitações, pode transformar a vida de uma família, mas isso não reduz vidas a uma doença. Isso, jamais. Afinal de contas, a vida é muito mais.

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