Perspectiva RacialUm espaço para mostrar como o racismo se revela no cotidiano, a fim de que toda a sociedade compreenda a importância de se engajar nessa luta. Andreia Pereira é doutora em Literatura (UnB), servidora pública federal, jornalista, professora, pesquisadora e palestrante.

Assunto de gente grande e antirracista

04/10/2021 às 19:12.
Atualizado em 05/12/2021 às 06:00

Brinquei de boneca até os meus 14 anos. Amava. E o meu sonho de consumo sempre foi ter uma Barbie. Nunca tive uma original. Apenas similares. Isso nunca fez diferença para mim. O problema estava em algo que só fui perceber anos depois. Nunca tive uma boneca negra. Como pode ser possível eu, enquanto mulher negra, nunca ter tido na infância uma boneca negra? Talvez as pessoas brancas não vejam nenhum impasse nessa situação, o que já é um grande problema.

A Barbie em suas versões tradicionais é loira, tem olhos azuis e cabelo liso, denotando uma padronização europeizada. Muitas meninas ao brincarem com bonecas assumem a identidade delas no percurso lúdico. Mas lembro-me de que nunca assumi essa identidade. Eu nunca fui a boneca da brincadeira, porque as bonecas que eu tinha não me representavam.

Hoje tenho 35 anos, e a ausência de bonecas ainda é uma realidade. Nas lojas, as bonecas negras continuam sendo minorias. Não há variedade de opções. Seria essa ausência culpa do mercado ou das pessoas que não compram bonecas e bonecos negros? Faço mais algumas perguntas: você já comprou alguma boneca negra para presentear alguma menina? Se sua resposta é não, por que não? Quantas bonecas negras sua filha tem?

O fato é que toda essa realidade ocorre por causa do racismo estrutural. Nesse sentido, vale a pena compreender que não são somente crianças negras que deveriam brincar com bonecas e bonecos negros. Crianças brancas também deveriam ter acesso a esses e a outros brinquedos que exploram a diversidade.

“Assim sendo, compreendemos que trazer bonecas que contemplem na geografia da sua estrutura as diferentes matrizes que deram origem ao povo brasileiro é uma excelente forma de trabalhar a autoestima das crianças negras, as quais, devido à cultura do branqueamento presente em nossa sociedade, não se inserem no padrão europeizado como ideal de beleza a ser alcançado. Por outro lado, também, consideramos de suma importância trabalhar com as crianças o respeito à diversidade, sejam elas brancas ou negras”, dizem as pesquisadoras Ana Cláudia Dias Ivazaki e Margareth Maria de Melo, no artigo “Bonecas negras: trabalhando a diversidade cultural na educação infantil através do lúdico”.

Diante de tudo isso, o desafio que lanço para o Dia das Crianças deste ano é o seguinte: deem bonecas negras para meninas ou outros brinquedos, para as crianças, que promovam a valorização e o respeito à diversidade. Entre as opções, há livros e jogos que abordam a temática da negritude. Realmente não é tão fácil encontrar esses produtos, mas a internet está aí para facilitar a busca. Parece até brincadeira, mas esse assunto também é de gente grande que se compromete com a luta antirracista.

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