Perspectiva RacialUm espaço para mostrar como o racismo se revela no cotidiano, a fim de que toda a sociedade compreenda a importância de se engajar nessa luta. Andreia Pereira é doutora em Literatura (UnB), servidora pública federal, jornalista, professora, pesquisadora e palestrante.

Por um jornalismo que incomode os racistas

Publicado em 05/04/2022 às 06:00.

Eu não estava de férias tampouco abandonei a coluna. Para tentar justificar a minha ausência, recorro-me às palavras da escritora Conceição Evaristo: “Gosto de escrever, na maioria das vezes dói, mas depois do texto escrito é possível apaziguar um pouco a dor, eu digo um pouco...”. Como pessoas negras, somos cotidianamente silenciadas. Ao termos oportunidade de “ferir um silêncio imposto”, como complementa a escritora, um processo paradoxal se instala, e o ato de escrever age abrindo e curando feridas. Assim, apropriando-me dos dizeres de Clarice Lispector, “...escrevo como se fosse salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida”.

Escolhi escrever em um país onde a cada cem pessoas negras dez não sabem ler nem escrever. Nesta terra onde os negros são 71,7% dos jovens que abandonam a escola, tornei-me doutora. No Brasil de profissionais de imprensa majoritariamente brancos, escolhi ser jornalista. Longe de condecorar a meritocracia, eu ocupo um espaço de poder ao problematizar tantas questões ligadas ao racismo no Brasil.

Recentemente, concedi uma entrevista a este jornal. Conduzida pela jornalista Renata Galdino, falei sobre racismo, empregabilidade e questões afetivas na vivência de uma mulher negra. Ao terminar de editar o texto, a editora Ana Paula Lima me enviou a seguinte mensagem: “Estava aqui lendo a sua entrevista e ficou muito bacana. Sua fala, na entrevista e nas colunas, é importantíssima”. Essa frase ecoou em minha cabeça por dias. Não pude mais ignorá-la, sobretudo nesta semana em que se celebra o Dia do Jornalista (7 de abril). Se assim o fizesse, estaria ignorando também as vozes de toda a população negra que luta por liberdade.

Quando escolhi a profissão de jornalista, eu não sabia naquele momento, mas estava escolhendo a liberdade, ou melhor, lutando por ela. O escritor, jornalista e ensaísta político inglês George Orwell tem um conceito aprimorado de liberdade que explica o peso do meu ofício: “Se a liberdade significa alguma coisa, será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir.”

Assim, como mulher, negra, professora e jornalista é meu dever informar, analisar e refletir sobre como o racismo opera na nossa sociedade. Ainda somos poucos jornalistas negros nas redações. Consequentemente, as histórias do povo preto não são contadas por nós. E se há poucos jornalistas negros, a influência da mídia no processo de formação da opinião pública será determinada por um grupo dominante majoritariamente branco, ainda dissociado dos problemas que acometem a população negra.

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