Não são raras as vezes que ao apontar um comportamento ou discurso racista escuto, principalmente de pessoas brancas, os seguintes dizeres: “Isso é coisa da sua cabeça”, “Você está vendo coisa onde não tem”, “Não vi nada demais”, “Não liga pra isso”, “Passa por cima disso”, “Não se estressa”, “Para de mimimi”, “Para de se vitimizar”, entre tantos outros. Cada vez que alguém ecoa uma dessas expressões ou outras de mesmo teor, a luta contra o racismo é deslegitimada.
Se os negros não tivessem problematizado a escravidão, eu e todas as pessoas negras poderíamos estar sendo escravizados – com a anuência do Estado – até hoje. Exagero? De jeito nenhum. Não canso de repetir que a escravidão oficial foi abolida no Brasil há apenas 133 anos. Nos Estados Unidos, a segregação racial, que legalmente impedia os negros de ocuparem os mesmos espaços em escolas, ambientes de trabalho e lugares públicos, só acabou em 1964, com a Lei dos Direitos Civis, ou seja, há 57 anos. Na África do Sul, o Apartheid perdurou, oficialmente, até 1994.
O tempo do combate é sempre o agora. Esperar nunca foi nem pode ser a estratégia de quem almeja romper barreiras e demolir estruturas de opressão social. Por isso, problematizar não é só necessário como urgente. É válido considerar o significado da palavra “problematizar” na concepção da pauta racial. Entende-se por problematizar, nesse contexto, a ação de contestar, duvidar, indagar, interrogar e questionar. Assim, só é antirracista quem, diante de qualquer situação racista, contesta, duvida, indaga, interroga e questiona.
Ser antirracista não é fácil porque nos coloca em um lugar de desconforto no âmbito das relações interpessoais. Não fomos educados para chamar a atenção de amigos, colegas, familiares e de desconhecidos. Dependendo do envolvimento com o interlocutor, a pessoa até consegue perceber a manifestação do racismo, mas escolhe não se indispor com o outro. Eu ultrapassei essa fase. Para não ser omissa, prefiro me indispor com o outro para questionar toda e qualquer atitude ou discurso preconceituoso, sobretudo quando diz respeito ao racismo. Estou me tornando uma mulher de poucos amigos e de relações interpessoais bem seletivas.
Uma vez adquirida consciência racial, torna-se impossível ser indiferente ao racismo que sofremos a cada dia. Sempre conto a quantidade de pessoas negras em qualquer estabelecimento, analiso os discursos das pessoas, observo as reações e o comportamento das pessoas brancas ao se relacionarem com pessoas negras. Nada passa despercebido. Nada. Ser assim é cansativo, confesso. Mas nossos ancestrais não se cansaram e, por isso, estamos aqui hoje, como sobreviventes de um projeto de extermínio. E quando o assunto é sobre viver, esquivar-se da luta não é uma mera questão de escolha.