Perspectiva RacialUm espaço para mostrar como o racismo se revela no cotidiano, a fim de que toda a sociedade compreenda a importância de se engajar nessa luta. Andreia Pereira é doutora em Literatura (UnB), servidora pública federal, jornalista, professora, pesquisadora e palestrante.

Quando 2021 acabar, seguirei contrariando o mundo

27/12/2021 às 19:53.
Atualizado em 29/12/2021 às 00:37

É quase impossível chegar ao fim do ano e não refletir sobre o tempo. De uma forma ou de outra, todos relembram os planos que fizeram, os objetivos alcançados, as despedidas, os encontros e reencontros. Pensar no futuro também é automático. Há pessoas que não planejam metas para um novo ano, mas não estabelecê-las também é uma meta.

Não estava nos meus planos tornar-me uma ativista declarada contra o racismo. Na minha ingênua inocência, um dia eu acreditei que a humanidade logo evoluiria o bastante para não ser mais necessária essa luta. Hoje sei que a nossa resistência, para além de importante, é urgente, pois as consequências de um passado de atrocidades continuam acorrentando a população negra.

Há teorias matemáticas que sustentam a possibilidade de viajar no tempo. Seria um roteiro digno de Oscar voltar ao passado e impedir o processo de escravização das pessoas negras. Fora da abstração, já que o período de vigência de um sistema escravocrata é fato irreversível, nós só temos o poder de transformar o agora e a nossa própria história.

Enquanto os números esbarram em suas limitações para voltar no tempo, as palavras detêm a força para reescrever a história e, consequentemente, traçar um novo futuro. Esse é o propósito da coluna Perspectiva Racial, idealizada para ocupar um espaço que transcende o digital. As palavras e frases que dão vida a informações e reflexões sobre o racismo ecoarão na mente de cada leitor que dedicou alguns minutos do dia para ler os artigos que escrevi. É nesse espaço da consciência que as ideias se transformam em conhecimento e em movimento capaz de romper as barreiras que comprometem a nossa evolução.

Muitas das ideias que coloco no papel provêm do silenciamento ao qual, como mulher negra, estou sujeita numa sociedade que não se reconhece racista. Lembro-me, oportunamente, do filósofo, psiquiatra e revolucionário Frantz Fanon, descendente de escravizados africanos. No livro “Pele negra, Máscaras Brancas”, ele diz: "Eu acenava para o mundo e o mundo amputava meu entusiasmo. Exigiam que eu me confinasse, que encolhesse”. Fanon contrariou o mundo e mesmo com uma morte prematura em 1961, aos 36 anos, continua liderando movimentos. É mais uma prova de que as ideias transcendem o tempo.

Foi Fanon que também disse que “todo problema humano exige ser considerado a partir do tempo. Sendo ideal que o presente sempre sirva para construir o futuro. E esse futuro não é cósmico, é o do meu século, do meu país, da minha existência”.  É fato, então, que quando 2021 acabar, o racismo continuará atacando suas vítimas. Por isso, quando o relógio marcar o fim de 2021, darei boas-vindas a 2022 e renovarei o meu compromisso em reescrever a minha história, a do Brasil e a do meu tempo.

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