Perspectiva RacialUm espaço para mostrar como o racismo se revela no cotidiano, a fim de que toda a sociedade compreenda a importância de se engajar nessa luta. Andreia Pereira é doutora em Literatura (UnB), servidora pública federal, jornalista, professora, pesquisadora e palestrante.

Um reality show de racismo

31/01/2022 às 20:14.
Atualizado em 01/02/2022 às 00:28

Três dias após o início da 22ª edição do Big Brother Brasil (BBB), a cantora Elza Sores deixou este plano. Conquistou o seu objetivo de vida: cantou até o fim. Cantou, resistiu e lutou contra o racismo durante toda uma vida. E nos ensinou que os holofotes da fama não rechaçam a plateia de racistas. Pelo contrário, em cima do palco, a pessoa negra fica ainda mais exposta às manobras do racismo. É exatamente o que acontece no BBB. Quanto mais negros no programa, mais variações do racismo podem ser identificadas ao vivo e a cores para quem quiser ver.

Apesar do show de racismo (e de outras formas de discriminação), o que nem todos conseguem enxergar é que o racismo dentro e fora da casa tem força para determinar não só a movimentação do jogo como também o vencedor do reality. “Ah! Mas a Thelma e a Gleice ganharam!”, dirão. Eu digo: não use as exceções para camuflar a regra que – ainda que “inconscientemente” – predomina.

Encher o programa de participantes negros não vai acabar com o racismo institucional e muito menos com o estrutural. Não estou reclamando da representatividade. Mas, apropriando-me das palavras de Elza Soares, ditas em sua biografia (escrita por Zeca Camargo), precisamos entender que “Não tá nada resolvido. Racismo? A gente enfrenta todo dia. Tem que gritar mesmo”.

Nesse ponto, o reality é nosso aliado. Estamos escancarando as nossas feridas, a nossa dor. O deslumbramento, o medo, a angústia, a decepção, o choro e a alegria são o nosso grito clamando por respeito, afeto e compreensão. Talvez gritando assim, os outros comecem ou se esforcem para entender como o racismo estrutural opera na sociedade.

Considerando o BBB uma espécie de espelho da realidade, ainda que com distorções, faço a seguinte reflexão: se são tão nítidas as manifestações de racismo em uma casa com câmeras ligadas 24 horas por dia, imagine o racismo que é destilado dia a dia quando não se (sabe que) está sendo filmado ou vigiado. As redes sociais dão uma ideia. Por lá, são explícitas as manifestações de ódio. Já vi críticas ao cabelo do Luciano Estevan e inúmeros comentários depreciativos sobre a Natália Deodato e a Jessilane Alves. Nem mesmo as indicações e os votos dentro da casa são isentos do racismo. Eliminar a população negra é histórico.

Ao deixarem a casa, com ou sem o prêmio, todos os participantes negros precisam se preparar para enfrentar com mais força e coragem o racismo que os aguarda aqui fora. E que, até o fim, como bradou Elza Soares, continuem resistindo, seja em um reality show, seja na vida real. Afinal, pra quem é negro, todo dia é dia de paredão.

© Copyright 2024Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por
Distribuido por