Tiago MitraudAdministrador e deputado federal pelo NOVO/MG. É Líder do RenovaBR e dirigiu a Fundação Estudar

Nada justifica a censura

21/03/2022 às 10:18.
Atualizado em 21/03/2022 às 10:18

Quando a intérprete de Libras Mariana Lima fez um post alertando pais e mães sobre uma cena do filme “Como se Tornar o Pior Aluno da Escola”, do Danilo Gentili, disponível na Netflix e GloboPlay, não imaginava a dimensão que essa discussão ganharia no debate público nacional.

Assim que a cena começou a circular nas redes sociais, diversos perfis, em sua maioria conservadores, passaram a repercutir o episódio e pedir que o filme fosse removido dos catálogos das plataformas.

O assunto veio bem a calhar para um governo que prefere lidar com assuntos de redes sociais ao invés de lidar com os reais problemas do Brasil, e o Ministério da Justiça determinou a suspensão da disponibilização, exibição ou oferta do filme pelas plataformas e redes de TV.

A decisão disparou o alerta em todos aqueles que atuam na defesa da liberdade de expressão no Brasil. Tema que, inclusive, o governo diz ser defensor, apenas quando lhe convém. Por mais que a cena seja de gosto duvidoso e faça referência a um crime hediondo, a censura de uma obra ficcional por uma canetada do Ministério da Justiça é inaceitável e ilegal, já que o mesmo não possui competência para determinar a censura de obras cinematográficas em razão de seu conteúdo. Além disso, a decisão viola a livre expressão da atividade intelectual e artística, garantida pela Constituição Federal em seu Art. 5°.

No mais, trata-se de um filme de 2017, que está disponível, portanto, há cinco anos, com o qual o governo decide gastar tempo agora apenas em razão da repercussão em redes sociais, como se o país não estivesse enfrentando imensos outros desafios.

Inclusive, vale lembrar que, quando de seu lançamento, o filme foi elogiado por bolsonaristas, como o pastor Marco Feliciano, que assistiu ao filme em sua estreia e afirmou que “há tempos não ria tanto”. Agora, decidiram fazer da censura à obra um cavalo de batalha capaz de desviar o foco da opinião pública das dificuldades que o governo enfrenta.

O episódio torna-se ainda mais grave quando lembramos que se trata do um filme de um humorista bastante crítico ao governo Bolsonaro, que já foi, inclusive, defendido por Bolsonaro quando criticava o PT. Se a censura de uma obra cinematográfica em si já é grave, a censura de um oposicionista coloca em risco um dos pilares da democracia.

Diante das críticas da opinião pública à censura imposta, que resultou na recusa das plataformas em atacarem a determinação de retirar o filme de seus catálogos, o governo acabou recuando, e se limitou a solicitar o ajuste da faixa etária de 14 para 18 anos.

De toda forma, o governo deve explicações, e para isso enviamos um Requerimento de Informação ao Ministério da Justiça, questionando os fundamentos da decisão e qual fato novo motivou sua atuação somente essa semana.

O episódio reforça, assim, a importância da defesa permanente da liberdade de expressão no Brasil. Os ataques vêm sempre cercados de supostas boas intenções: combater a pedofilia, o nazismo, o turismo sexual, as fake news… Mas precisamos aprender a lidar com ideias detestáveis com mais liberdade, e não menos.

Mesmo porque, muitas vezes, as tentativas de censura geram efeito inverso ao desejado pelos censores. O filme de Danilo Gentili, por exemplo, alcançou a terceira posição dentre as obras mais assistidas na Netflix essa semana, e o apresentador anunciou uma continuação. Que todo o episódio sirva de lição!
 

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