Precisou chegar a pandemia do novo coronavírus (Covid-19) no Brasil, para que grande parte da população conhecesse melhor Bolsonaro. Suas atitudes e pronunciamentos irresponsáveis, desconhecidos durante a campanha pela ausência do então candidato nos debates, ganharam agora cobertura jornalística e exposição midiática em sua performance no combate à pandemia. Bastou isso ocorrer para sua popularidade despencar e seu isolamento político ficar visível, suscitando, inclusive, possibilidades de seu afastamento do cargo.
A forma repugnante como Bolsonaro tem tratado a questão do coronavírus no Brasil tem deixado grande parte da população apreensiva. O país já coleciona mais de duas centenas de mortes e, a persistir uma orientação dúbia e na contramão da ciência por parte do presidente da República, esses números poderão crescer exponencialmente nas próximas semanas, repetindo tragédias como as da Itália, da Espanha e dos EUA, que subestimaram o isolamento social em nome de uma pseudodefesa da economia e ajudaram, assim, a propagar o vírus.
No início Bolsonaro caracterizou a pandemia como uma “gripezinha”. Depois, contra as orientações da OMS e do Ministério da Saúde, rompeu o isolamento e compareceu à manifestação de apoiadores. Estimulou empresários e comerciantes a fazerem carreatas pedindo o fim do isolamento social, a volta ao trabalho e a reabertura do comércio. No âmbito institucional, bateu boca com governadores e prefeitos que tomaram decisões mais prudentes e responsáveis. No último dia 31, em rede nacional de rádio e TV, distorceu as orientações do diretor geral da OMS, o etiopês Tedros Adhanom e pediu união de todos contra o vírus. No entanto, 12 horas depois republicava em suas mídias sociais mais um ataque aos governadores, se referindo a um possível desabastecimento na Ceasa de Belo Horizonte, algo que prontamente foi desmentido.
Bolsonaro quer criar o caos social para se vitimizar e arregimentar sua tropa, hoje combalida, mas ainda existente. Governadores estaduais, o Congresso Nacional, o poder Judiciário em sua maioria, intelectuais, movimentos sociais e sindicais, eleitores e apoiadores ilustres de Bolsonaro, um número cada vez maior de segmentos da sociedade vai criando consciência de que, para além das diferenças políticas, ou até mesmo ideológicas, o Brasil não pode ficar à mercê de um presidente como Bolsonaro. Uma nova correlação de forças vai surgindo aos poucos e, pela primeira vez, as ideias da oposição conseguem ser ouvidas para além de sua bolha. As mesmas panelas e as mesmas sacadas que se levantaram contra Dilma, se levantam agora contra Bolsonaro.
Dentro do próprio governo, é visível o papel mais independente dos militares e de outros ministros não pertencentes ao núcleo ideológico do clã bolsonarista. O comandante do Exército, general Edson Pujol, imediatamente após a fala do presidente elaborada pelo “gabinete do ódio” no dia 24 de março, foi a público e reafirmou as orientações da OMS, bem como defendeu medidas como o isolamento social. O ministro da Saúde Henrique Mandeta teve sua popularidade crescida e está em alta exatamente por contradizer Bolsonaro. Sem falar em Sérgio Moro e Guedes que têm deixado Bolsonaro sozinho em suas bizarrices e aparições.
Impeachment, renúncia, suicídio, muitas foram as formas que ex-presidentes deixaram o poder, outros deixaram sem sair do cargo, vegetaram até o fim. Não sei se isso ocorrerá agora, o certo, é que Bolsonaro parece não ter mais condições de governar. Se ele negar o isolamento social será condenado ao isolamento político. Enquanto isso, ganha-se tempo para se gestar a alternativa e reagrupar o país.