EducaçãoLéo Miranda. Do \“Mundo Geográfico\” - YouTube Marcelo Batista. Do \“Aprendi com o Papai\” - YouTube

A escola e o juízo final

Publicado em 22/12/2022 às 19:27.

Marcelo Batista*

“59 é 60?” Essa era a pergunta que eu fazia, todos os anos, ao meu melhor amigo da época de escola, ao telefone. Eu era um péssimo aluno em exatas, possivelmente fruto do meu TDAH, que só fui descobrir em 2022 e tinha que me esforçar dobrado, colar e fazer de tudo para conseguir alcançar os 60 pontos em algumas disciplinas diabólicas: física, química e matemática. Estudava em uma escola bem apertada e tradicional em Belo Horizonte e muitas vezes tinha que contar com a “ajuda” do conselho de classe para conseguir a minha aprovação. Na época enxergava o conselho como uma espécie de juízo final, em que todos as minhas qualidades e defeitos seriam expostos para decidir o meu futuro, pelo menos no âmbito acadêmico. Estava certo.


Aproximadamente 20 anos depois, é a minha vez de participar, agora do outro lado do tablado, dos conselhos de classe. Os mais tensos, claro, ficam para o final do ano, o que vale, muitas vezes, a aprovação ou reprovação de um aluno. Acabamos de passar por essa fase no ano letivo de 2022 e, como sempre, ajudamos a decidir o futuro de diversos alunos.

Os rostos dos alunos vão aparecendo no “carômetro”, um por um, acompanhados de toda a sua trajetória acadêmica e pessoal para que se possa fazer um julgamento justo. Ficamos sabendo de todo o histórico de notas e aspectos familiares e psicológicos que podem afetar o desempenho. Multiplicam-se, hoje, os casos de TDAH, ansiedade, depressão e problemas familiares extremos. Todas essas questões são descortinadas para saber se o 59 pode ser 60 ou se a aprovação vai ficar para o próximo ano.

Dentre as várias histórias, algumas mais marcantes. Lembro de algumas, de anos atrás, como o caso de um aluno que estava sem média em várias matérias e era visto como irresponsável e pouco dedicado. A causa: ambos os pais eram cegos e o menino, além de ter que cuidar sozinho das atividades escolares, era o responsável pelos afazeres domésticos, por pagar contas e por cuidar da família. Lembro também da história da menina que tentou se matar duas vezes ao longo do ano, tinha depressão severa e era vista por muitos de nós somente como uma pessoa pouco dedicada. Com essas histórias muitas vezes a visão sobre o aluno muda, é claro. É a hora que o conselho “salva”.

E se nós, adultos, fôssemos submetidos a um conselho de classe no fim do ano? Quem conseguiu manter as contas em dia, cuidar da família, ser fiel, cuidar dos amigos em momentos de necessidade? Poucos passariam de ano. Os que não passariam seriam mesmo “culpados”? Qual é a razão para o erro? Será que existe alguma justificativa?

Os mais religiosos diriam que todos nós passaremos, no juízo final, por um grande julgamento, em que nossos erros serão colocados na balança para decidir o destino das nossas almas. Mas será que todas as questões mais íntimas serão colocadas na balança? Será que o 59 vai ser considerado 60? Enquanto não passamos pelo julgamento divino, o homem julga o homem e muitas vezes decidimos o futuro acadêmico de várias pessoas. Justo? Só Deus sabe…

© Copyright 2024Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por
Distribuido por