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Desopilar é preciso

Publicado em 30/06/2022 às 06:00.

Léo Miranda

O verbo desopilar, no dicionário, tem o seu significado associado à ideia de “fazer esquecer ou esquecer as preocupações ou as tristezas; aliviar (alguém ou a si mesmo) das tensões; alegrar-se”. Tomei conhecimento dele em uma conversa no intervalo entre aulas com um colega professor de filosofia e sociologia de uma das instituições em que trabalho. Além de me apresentá-lo, ele discorreu brevemente sobre como as atividades de desopilação eram importantes para ele e que inclusive ajudavam a “abrir espaço” para novas ideias, percepções e reflexões sobre os temas das aulas.

Desde então, esse verbo se tornou motivo de reflexão para mim também e, claro, para a minha prática pedagógica. Em meio a provas, correções, datas de entrega e toda a demanda de trabalho de um professor, que se estende para além da sala de aula, comecei a perceber que fazer cada vez mais, sem dar tempo para a desopilação, tinha o efeito contrário ao esperado. As múltiplas atividades sempre se convertem no aumento do estresse, ansiedade, insônia e tudo o mais que vem acompanhado. Mas e o resto? Família, vida conjugal, lazer, entre outros: perdidos na falta de tempo. Esse é o problema central, se há um atributo imaterial e inegociável da vida esse é o tempo.

Com todo esse contexto, as minhas reflexões me levaram a uma única saída: desopilar em meio a tudo que envolve o cotidiano, mesmo que para isso seja necessário dar uma pausa nas demandas. O primeiro sentimento do momento em que pela primeira vez me permiti fazer algo que não estava no script foi o de culpa pela procrastinação, como também a cobrança: como ficariam os prazos, as aulas, os planejamentos? Para minha surpresa, esse “ato de rebeldia” liberou não só as tensões como também ajudou a organizar melhor todas as demandas mais imediatas. Tudo isso depois de assistir a um episódio de uma série de que gosto muito ou apenas ir ao supermercado próximo à minha casa a pé.

A minha experiência confirmou o que o colega da filosofia já havia me dito: desopilar abre espaço para novas ideias, novos pensamentos, novas reflexões e motivações. A rotina de produtividade, presente cada vez mais na literatura, nas redes sociais, no consumo excessivo e sem sentido, revela ao mesmo tempo um esvaziamento da vida, como uma perda de sentido associada ao não reconhecimento de si como parte de algo. Nas salas de aula esse esvaziamento é percebido pela busca dos estudantes por pertencer a um grupo determinado, ou a representar arquétipos: o (a) nerd, o (a) comunicativo, o (a) rebelde, entre outros. Uma busca incessante por identificação e principalmente por aceitação. Contudo essa busca não só demanda energia, como também tem levado ao desgaste emocional, entre outras questões psicossociais.

Envoltos a questões internas e a demandas pela alta performance, professores e alunos seguem na busca pela adaptação à rotina de retomada das atividades após dois anos de pandemia. Talvez ambos precisem desopilar mais.

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