EducaçãoLéo Miranda. Do \“Mundo Geográfico\” - YouTube Marcelo Batista. Do \“Aprendi com o Papai\” - YouTube

Preconceito que se aprende na escola

30/09/2020 às 20:24.
Atualizado em 27/10/2021 às 04:41

Marcelo Batista (*)

mbatista@hojeemdia.com.br

Uma escola que para evitar o “constrangimento" de chamar um aluno transexual pelo nome social prefere chamar toda classe por números. Uma escola que aceita situações de homofobia vinda de profissionais da própria instituição, que resolve mandar um aluno homossexual ao Conselho Tutelar devido ao seu “comportamento afeminado”. Esses são relatos apresentados no programa “Fantástico”, da rede Globo, que mostram famílias que acusam uma escola carioca de atos de transfobia e homofobia. Vale destacar: tudo isso aconteceu no programa desta semana, em 2020! Apesar desse crime ainda não ser atestado nesse caso pela justiça, esse tipo de situação ocorre ainda com frequência na educação brasileira, que, mesmo com as melhorias,  apresenta um comportamento arcaico e  intolerante em relação a esses grupos sociais.

Estudei em uma escola particular ao longo da década de 90, quando ainda havia a naturalização de situações hoje conhecidas como bullying e homofobia. Naquela época era “normal” que o colega homossexual fosse insultado, excluído pelo restante dos colegas e tratado como diferente, situação que aos poucos foi amenizando em grande parte das escolas brasileiras. Por ter tido o privilégio de me tornar professor, pude perceber, ao longo dos últimos 20 anos, uma grande diferença na convivência entre os colegas com diferentes orientações sexuais ou identidades de gênero e uma considerável mudança nesse sentido.

Trabalhei durante dois anos na Ong Transvest, em Belo Horizonte, como professor de redação. Entre os alunos, as cicatrizes da transfobia, quando não literais, eram evidentes no comportamento de alunos que tiveram que abandonar as instituições de ensino, muitas vezes no ensino fundamental, devido às provocações, ao bullying e à intolerância dos colegas. Nesse contexto, muitas estudantes viviam da prostituição e estudavam no tempo livre para tentar concluir o ensino básico ou conseguir uma aprovação em um vestibular pelo Enem, algo infelizmente um pouco raro, o que reforça que ainda há um longo caminho pela frente.

Em entrevista ao Estado de São Paulo, o ministro da educação, Milton Ribeiro, publicada na semana passada,  afirmou que "o adolescente que muitas vezes opta por andar no caminho do homossexualismo (sic) tem um contexto familiar muito próximo, basta fazer uma pesquisa. São famílias desajustadas, algumas. Falta atenção do pai, falta atenção da mãe”. Após a declaração e algumas tentativas atrapalhadas de retificar a fala, houve uma solicitação da PGR para que o supremo avalie eventual crime de homofobia por parte do ministro. 

Mesmo sabendo da mudança ao longo das últimas décadas, nós, educadores, linha de frente nesse processo, não podemos aceitar situações de retrocesso e preconceito em sala de aula, muito menos situações de homofobia. Precisamos lembrar das cicatrizes, literais ou não, deixadas ao longo das últimas décadas na comunidade LGBTQI+, para que elas não se reabram em feridas, nas escolas e no futuro.

(*) Marcelo Batista é educador há mais de 15 anos e fundador do canal Aprendi com o Papai, no Youtube.

© Copyright 2024Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por
Distribuido por