Mais de 120 textos. Completamos, no mês passado, dois anos da coluna de educação, em parceria com o meu amigo Leo Miranda. Começamos em um contexto caótico da educação em meio à pandemia e esgotamos praticamente todos os temas imagináveis sobre a educação: homofobia em sala de aula, racismo na educação, a relação entre o real e o virtual no sistema educacional e muitas outras questões envolvendo práticas de ensino. Pensam que é fácil pensar em algum assunto para tratar por aqui? Muitas vezes esbarramos na falta de inspiração ou na possibilidade de textos muito monotemáticos, mas a inspiração sempre aparece, mesmo quando não se espera.
Ontem, no meio da tarde, fui convidado para dar entrevista para uma rádio mineira. O assunto: o “perigo” da linguagem neutra em sala de aula. Para quem não sabe do que se trata, essa neutralidade consiste na substituição, em algumas palavras, do “a” e “o”, por “e”, com o intuito de deixar a linguagem mais flexível aos gêneros. Todes, alunes e termos semelhantes passariam a ser usados para substituir, por exemplo “todos" e “alunos", algo que seja restringe as palavras em relação ao gênero.
Em primeiro lugar, é importante deixar claro que não há nenhuma imposição formal - por parte de nenhum órgão ou instituição - para que os professores utilizem a linguagem neutra em sala de aula. Muito raramente um ou outro colega busca usar esse tipo de termo, buscando respeitar a diversidade de identidades de gênero entre os alunos, o que não é um problema. Que fique claro, esse uso, pelo que eu saiba, não é feito em provas e nem como a linguagem oficial nas salas de aula. Não há motivo de pânico.
Além disso, é necessário notar que a língua, tal qual um ser vivo, é propícia de modificações e adaptações diante do contexto. Trata-se somente de mais um tipo de variação e não uma modificação na norma padrão. A gramática ainda não reconhece esse tipo de termo, logo nenhuma instituição e nenhum profissional tem o poder de encará-lo como padrão. A tradição ainda impera nas instituições de ensino.
Se a preocupação fosse, de fato, com a língua, os críticos não deveriam reclamar dos regionalismos, das gírias ou dos termos informais? Mas o medo não é linguístico. É uma preocupação velada com a transexualidade e a discussão sobre esse assunto em sala de aula, o que é extremamente importante para que os alunos possam se conhecer e conhecer o outro sem preconceito. Ou será que o importante mesmo é proibir o uso de uma determinada variação por medo das múltiplas identidades de gênero?
Já passou da hora de tirar determinados temas de dentro do armário ou de debaixo do tapete. Essa discussão lembra aquela história do marido que é traído pela mulher no sofá e resolve vendê-lo. Será que esse seria o melhor caminho? O ideal seria discutir sobre a identidade de gênero e a linguagem neutra nas escolas, o que talvez seja o ideal para todos, ou "todes".