Ana Paula Cardoso*
A nova Reforma da Renda está sendo vendida como um avanço social, um alívio para quem ganha menos e um passo rumo à justiça tributária. Mas, do ponto de vista de quem sustenta emprego, folha, risco e fluxo de caixa, o empresário percebe uma realidade bem menos romântica.
Sim, existe um benefício para a base. A redução do IRPF até cerca de R$ 5 mil mensais dá algum fôlego para milhões de brasileiros. Isso é positivo. Mas é só metade da narrativa. A outra metade, que quase ninguém tem coragem de falar, é que quem paga essa conta é justamente quem já carrega o Brasil nas costas.
Aumentar a carga sobre lucros, dividendos e altas rendas não é apenas uma mudança técnica. É uma mensagem política, a lógica é simples. Para aliviar milhões, o governo decidiu tributar mais intensamente o grupo que já paga mais, produz mais e emprega mais. Esse trade off existe e fingir que não existe é desonestidade intelectual.
A Reforma cria um imposto anual mínimo para quem soma mais de R$ 600 mil ao ano em rendimentos, incluindo salários, aplicações, aluguéis e lucros. Não estamos falando de super ricos, estamos falando de profissionais de alta performance, empresários médios, executivos, donos de clínicas, restaurantes, escritórios, comércios e prestadores de serviço. Gente que trabalha 12 horas por dia ou mais e sustenta equipes inteiras.
Além disso, a retenção mensal obrigatória sobre dividendos acima de R$ 50 mil por mês muda completamente o jogo de fluxo de caixa das empresas. Empresário não vive de mágica, vive de planejamento. A lei mexe exatamente nessa espinha dorsal. E ainda há um ponto quase silencioso. A corrida contra o tempo até 31/12/2025 para aprovar a distribuição de lucros referentes aos resultados apurados até esse ano. Quem não fizer isso a tempo entra no novo regime e paga mais. É técnica, mas também é política.
Eu não sou contra pagar imposto. Sou contra um sistema que pune quem produz e recompensa quem não tem responsabilidade alguma na geração de riqueza. O Brasil precisa valorizar o empreendedor, não tratá-lo como inimigo.
A Reforma da Renda tem acertos, claro. Corrigir a tabela era necessário.
Mas ela erra naquilo que mais impacta o futuro do país. Enfraquece o incentivo para quem gera emprego e coloca o PIB para girar.
Se queremos um Brasil mais justo, precisamos de um sistema que distribua oportunidades, não castigos. Quem cria negócios não é problema a ser resolvido, é ativo estratégico da nação. E qualquer reforma que ignore isso começa torta. Essa é a verdade que eu, como empresária, vejo na prática. Enquanto as reformas não enxergarem o empreendedor como parceiro e não como fonte inesgotável de arrecadação, vamos continuar trocando alívio aparente por retrocesso real.
*Líder em contabilidade consultiva e estratégia tributária. Fundadora da Macrocont