Quando se descobre o cobre…

Publicado em 01/11/2024 às 06:00.

Rosilene Campolina*

Estudos arqueológicos indicam que o cobre era utilizado, há mais de 10.000 anos, na Ásia Ocidental. Já na América do Sul, as civilizações Maia Pré-Colombiana, Asteca e Inca exploraram o cobre, assim como o ouro e a prata. O cobre foi o primeiro metal minerado e manufaturado pelo homem, e por isso, o mais importante elemento na história das civilizações, pois estava disponível em grandes quantidades e praticamente se encontrava na superfície do solo para extração. Além do mais, o metal era apropriado para a produção de armas, ferramentas, objetos de arte e ornamentação.

O cobre além de ser um condutor de calor ideal, higiênico e resistente à corrosão, possui condutividade térmica, o que faz dele o metal perfeito para os alambiques, tachos e panelas. Ele conduz o calor 5 vezes superior ao ferro e 20 vezes melhor que o aço inoxidável e, graças à sua extraordinária condutividade térmica, o calor propaga-se uniformemente nos tachos e panelas de cobre. Entre os diversos benefícios do cobre, o metal possui um efeito antibacteriano, porque funciona como um filtro sobre os germes e as bactérias, como mostra o laudo técnico-científico elaborado pela doutora Amazile Maia.

Na cozinha mineira, o cobre ganhou força, na produção do cobiçado “tacho de cobre”. Ele se tornou um utensílio tradicional e indispensável na doçaria mineira, especialmente utilizado para o preparo de doces, geleias, compotas e outras receitas que exigem um aquecimento uniforme e controlado. Além disso, o tacho de cobre é durável e resistente, com vida útil prolongada e, muitas vezes, objeto de estimação que carrega memórias afetivas e gustativas e se passa de geração em geração, como uma relíquia de família, que já faz parte da identidade mineira.

Felizmente, temos boas notícias: os tradicionais tachos de cobre usados na produção de doces em Minas Gerais estão liberados. A informação foi confirmada pela Vigilância Sanitária estadual (Visa) durante audiência da Comissão Extraordinária de Turismo e Gastronomia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), na data de 3 de maio de 2022. A regra está em vigor, mas ainda assim surpreende produtores e autoridades que desconheciam a sua liberação. A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 20, de 2007, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) restringiu o uso do tacho de cobre, exigindo revestimento de outros materiais, entre os quais ouro ou prata. A alegação é de que o cobre é transferido para o alimento, com riscos para a saúde. A medida gerou grande impacto no setor, levando a casos até de depressão de doceiras tradicionais, conforme relatos na audiência.

Ângela Vieira, diretora de Vigilância em Alimentos e Vigilância Ambiental da Secretaria de Estado de Saúde, explicou, porém, que a norma foi modificada. A RDC 498, de 2021, vigente desde 3 de maio de 2021, permite o uso de equipamentos de cobre sem revestimento, a critério da autoridade sanitária competente, sempre que se demonstre sua função tecnológica de uso. Segundo ela, a autoridade competente é a vigilância sanitária municipal, com apoio da Visa estadual. A diretora frisou a necessidade de boas práticas, como a higiene correta do tacho, mas reforçou que a Emater tem trabalhado nessa orientação.

Se o uso do cobre depende da demonstração de sua função tecnológica, a audiência trouxe subsídios para isso. Amazile Biagioni Maia, engenheira química, mestre em Alimentos e doutora em Bioquímica, fez a defesa técnica do produto, que classificou como “insubstituível”. Entre as propriedades do cobre, ela listou a eficácia contra a proliferação de vírus, bactérias, fungos e algas.

O “tacho de cobre”, segundo Amazile, é de alta condutividade térmica. “O aquecimento inativa enzimas, o que deixa o doce com mais frescor. Também evita a oxidação que gera perda de aroma, sabor e cor. Desde de 2007, a lei que restringia o uso do tacho de cobre foi revogada e ele voltou a ser liberado, sem a necessidade de ser revestido por outros materiais. O que seria da nossa cozinha sem o tacho? Para entender a importância do doce na economia mineira, seria possível comparar as 700 fábricas de doces registradas com o número de municípios de Minas Gerais, ou seja, quase uma fábrica de doce por município, sem mencionar as que ainda não têm registros.

 O tacho não é vilão da história, mas um tipo de oxidação esverdeada chamada azinhavre que se forma nestas superfícies quando expostas ao ar úmido, mas que é inteiramente retirada quando os utensílios são lavados com bucha e uma solução ácida que pode ser vinagre e sal ou limão e sal. É tão necessário debater sobre este tema quanto buscar os atores deste cenário que envolve a cadeia produtiva e criativa da gastronomia. O uso do tacho de cobre é viável e necessário para a continuidade desta tradição ancestral, que carrega nossa história e imprime a nossa mineiridade e afetividade. Já dizia Raul Lody, “depois do idioma, o alimento é o mais importante elo entre o homem e a cultura”.

* Mestre em educação, gastronomia e sustentabilidade

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