Kênio PereiraDiretor Regional em MG da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário. Advogado e Conselheiro do Secovi-MG e da CMI-MG. Consultor Especial da Presidência da OAB-MG.

A armadilha da arbitragem nos contratos de aluguel e compra de imóveis

Publicado em 07/07/2025 às 06:00.

Nos últimos anos, tem sido cada vez mais comum que consumidores que adquirem ou locam um imóvel descubram, apenas quando enfrentam um problema, que estão impedidos de buscar seus direitos da Justiça. Isso ocorre em decorrência da cláusula que costuma passar despercebida àqueles que não contam com uma assessoria jurídica especializada: a cláusula de arbitragem.

A arbitragem é um avanço, disso ninguém discorda. Litígios são resolvidos de forma rápida, muitas vezes em menos de seis meses, especialmente em câmaras sérias, como a Caminas, em Belo Horizonte. Entretanto, o que deveria ser um caminho alternativo torna-se um problema quando esse instrumento, criado para dar celeridade, é distorcido e usado como blindagem para ninguém saber quem afronta a lei e pratica atos indevidos, dificultando o cliente de exigir seu direito ou crédito. 

Empresas que prometem facilidade, segurança e garantia contra inadimplência, como o QuintoAndar, adotam cláusulas arbitrais para se proteger de cobranças legítimas dos consumidores. Quando o locador sofre prejuízos com inquilinos, descobre que a promessa de garantia era ilusória e é obrigado a recorrer a uma câmara privada, sigilosa e, muitas vezes, tão caras que fazem com que o consumidor desista de exigir seu direito. 

É comum, ainda, que a cláusula preveja a resolução do conflito em câmaras localizadas em outros estados, mediante a análise de três árbitros e custos que superam R$ 100 mil. Este valor é completamente incompatível com a realidade da maioria dos consumidores, especialmente quando o que se busca é a devolução de valores pagos na compra ou o pagamento de aluguéis supostamente garantidos.

Não bastasse a injustiça, alguns contratos sequer destacam a cláusula compromissória, violando o Código de Defesa do Consumidor. Mesmo assim, muitos juízes, diante da enorme demanda no judiciário, acabam acolhendo a tese das empresas de que o processo deve seguir para a arbitragem, o que paralisa ou extingue a ação desconsiderando o princípio do acesso à Justiça.

O resultado: centenas de ações paradas no TJMG e no STJ, aguardando decisões sobre recursos de empresas que, descumprindo contratos, alegam que a Justiça Comum é incompetente, pois o consumidor “aceitou” a arbitragem. Em muitas delas, já houve procedência da ação em primeira instância, com condenações que incluem devolução dos valores pagos, multas e juros. Mas a execução é impossível em decorrência dos recursos protelatórios das empresas.

É ilógico imaginar que três árbitros, remunerados com mais de R$100 mil por uma única causa, julgarão a cláusula que lhes garante o próprio trabalho como nula. Isso compromete a imparcialidade e perpetua a injustiça.

Negar ao consumidor o direito de recorrer à Justiça Comum é o mesmo que interditar a cidadania. Nenhum sistema que se pretenda democrático pode aceitar que o acesso à Justiça seja substituído por um mecanismo oneroso e imposto de forma unilateral.

Se a arbitragem é uma opção válida, ela deve ser transparente, acessível e, sobretudo, opcional, nunca uma armadilha disfarçada entre cláusulas de um contrato de adesão.

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