Kênio PereiraDiretor Regional em MG da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário. Advogado e Conselheiro do Secovi-MG e da CMI-MG.

O exercício de trabalho dentro do edifício residencial

Publicado em 01/05/2023 às 06:00.

O aumento das atividades que visam manter as despesas familiares, como o home office nos apartamentos, estimulado pela pandemia do Covid-19, trouxe consigo o dilema: é possível exercer atividades profissionais em edifício residencial? Sim, é possível, mas o profissional tem que entender que existem limites sutis a serem observados para não haja conflito com o Código Civil (CC) e a convenção que estipula ser o condomínio residencial.

O que deve ser considerado é se a atividade exercida pelo morador corresponde ou não a esse chamado “desvio de finalidade”. Professores, advogados, arquitetos e engenheiros já se utilizam do teletrabalho desde antes da pandemia, sendo tais atividades exercidas sem estrutura empresarial, como funcionários etc.

Da mesma forma, há massoterapeuta, psicólogo, manicure, maquiadora, artista e músico que atende um ou outro cliente sem nenhum problema, pois esses se confundem até como simples visitantes. Por isso, nos seus condomínios são aceitos por não gerarem transtornos. No caso de instrumento musical, há professor que sabiamente instala isolamento acústico num cômodo e, assim, evita reclamações.

O foco da proibição é impedir o incômodo e o mau uso da propriedade

O art. 1.336 do Código Civil estabelece como dever do condômino “dar as partes a mesma destinação a que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes”. A intenção da lei nesse caso não é a de proibir o trabalho singelo dentro do lar, mas principalmente as atividades que causam danos e problemas aos demais moradores. Portanto, o que deve ser vedado é uso nocivo da propriedade, que gere ruídos em excesso e o movimento abundante de estranhos sem qualquer controle.

Logo, existe uma tolerância para a atuação dos profissionais liberais ou pequenos empresários desde que não haja fluxo intenso de pessoas que não residem no condomínio, placas comerciais na porta e nas janelas dos apartamentos, divulgação do endereço do condomínio em redes sociais, uso de químicos, resíduos biológicos, mau cheiro, barulhos e outros que gerem risco as demais pessoas, passíveis de gerar desvalorização patrimonial às unidades.

O pós-pandemia: má interpretação da regra gera problemas

Profissionais liberais e microempresários têm enfrentado perseguições e problemas por parte de vizinhos quanto ao exercício da atividade laboral no prédio.

Há síndicos e administradoras que por desconhecerem as nuances que motivaram a redação das leis as interpretam de forma equivocada, em especial, o art. 19 da Lei nº4.591/64 e os arts. 1.335 e 1.336 do CC e, por isso, vêm agindo com intolerância em relação aos moradores que obtêm seu sustento via teletrabalho e atendimento em casa, expedindo notificações e multas injustas com a finalidade de acabar com o que chamam de “atividade empresarial”.

Como dito, impedir que um profissional liberal possa atender clientes na própria residência, sem que isso viole direito ou exponha o condomínio a riscos além de ser ilegal, configura verdadeiro abuso de direito.

© Copyright 2024Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por
Distribuido por