Vivemos em meio a tantas trapalhadas, que perdemos a noção da virtude e do mérito. Compram-se e vendem-se reputação e dignidade no mercado sujo da ilegalidade e das conquistas, ao preço de dinheiros e de facilidades. Perdemos o verdadeiro senso da grandeza dos homens e de sua atuação na sociedade.
Lembro disso, em mês tão caro aos brasileiros do interior, e sinto a obrigação de render homenagem, embora mínima, a um cidadão que sempre pensou e agiu visando uma sociedade maior e mais igualitária, somando fatos positivos com os quais construiu sua identidade e sua própria biografia. Felizmente, este ser humano existe, ajudando manter a confiança no futuro da pátria e em mais afortunados dias para o homem deste país.
Ao completar 100 anos em 17 de junho, Luiz de Paula Ferreira pode ser festejado pela família e pelos conterrâneos, que lhe acompanharam a longa jornada. É um cidadão que ama seu povo e escreveu: “Conheci pessoas e situações. Vivenciei costumes. Escutei e contei histórias. Nada, porém, de grande monta, que o lugar não ostentava coisas de assombrar. Mas havia algo que me seduzia e me impôs, mais tarde, este registro. Eram as pessoas em seu cotidiano. Gente simples, no pelejar da vida, com as singularidades do viver de cada um. Sem seu trabalho, no seu lazer, em suas alegrias e decepções. Tudo acontecendo em parceria com a natureza, pois ali se vivia rente à terra. Era a grandeza das pequenas coisas. Presente todo dia, em todas as horas”.
Escrevi recentemente: tudo o que se construiu por aquela região contou com sua presença, atuação e colaboração. Autêntico sertanejo, antes de tudo um forte, como classificou essa gente Euclides da Cunha, fez tudo discretamente para vencer na vida.
Nascido em Várzea da Palma, empresário, líder empresarial, escritor, apreciado contador de causos, amante da música, trovador e apaixonado pela região. Começou a descrevê-la muito antes de Guimarães Rosa, que produziu uma epopeia sobre o “Grande Sertão: Veredas”.
Autor de “Na venda de meu pai”, rega-se com uma série excelente de narrações do melhor agrado, em que às vezes é o próprio personagem. Wanderlino Arruda, da Academia Montes-clarense de Letras, acha que a leitura do livro é como “sugar o sumo doce de uma jabuticaba bem madurinha”, enquanto o jornalista César Vanucci, da Academia do Triângulo Mineiro, aconselha como Santo Agostinho: Tolle, lege, “Pega e lê”.
É conhecido seu interesse pela literatura de um modo geral, especialmente por autoria de excelentes poemas. No seu caderno de escritos, encontram-se páginas em versos, às quais, ultimamente, com extrema relutância, acedeu em dar publicação.
Notória sua inclinação às letras, mesmo evitando mostrar os originais aos interessados, principalmente quando a noite da idade começou a crescer: “Com o cair do crepúsculo vão se calando, pouco a pouco, todos os rumores; um quase silêncio envolve a natureza quando sobre o horizonte longínquo o papa-ceia anuncia que vai nascer a noite estival”.
Assim é Luiz de Paula Ferreira, um homem de bem, empreendedor, sempre a serviço das boas causas, em longeva passagem pelo Norte de Minas e pela vida.