Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

A morte no Sul

07/12/2020 às 20:10.
Atualizado em 27/10/2021 às 05:15

A brutal execução de João Alberto Freitas, um homem negro de 40 anos, num estabelecimento de supermercado em Porto Alegre, por dois seguranças brancos do estabelecimento, foi uma cena cruel, divulgada internacionalmente e chocando a sociedade neste ocaso de 2020. 

Mais do que um acontecimento policial, constituiu demonstração de que a nação não é um cenário de paz e de convivência amena. O Brasil percebeu fundamente que não somos o que se apregoa por todo o planeta – uma espécie de paraíso e palco de alegria e confraternização revelada nas passarelas de carnaval ou nos estádios de futebol. 

A médica e jornalista Mara Narciso observou: “pessoas negras, sob pena de serem assassinadas, não podem reagir ou desobedecer a qualquer tipo de autoridade, nem mesmo a esse simulacro de autoridade que são os seguranças kafkianos de lojas e supermercados. O racismo não quer que se levante qualquer tipo de objeção, através dos corredores. Antes que se espere pela ‘Consciência Humana’, é preciso que se exija que os bípedes de nariz para cima, alcunhados por eles mesmos de Homo Sapiens, se tornem humanos, coisa que parte do grupo não é. Isso acontecendo, não haverá racismo contra pessoas de pele escura”.

Mara Narciso diz ainda: “quando a população escravizada foi jogada pelos caminhos do Brasil após a Abolição da Escravatura – 13 de maio de 1888, imigrantes europeus, com o apoio do governo, tomaram seus lugares no campo, ‘para branquear os brasileiros’. Após mais esta exclusão, ações discriminatórias reforçam atitudes que minam o amor-próprio. Caminhando ao léu, após 132 anos, os pretos continuam suas lutas intermináveis para conquistas dolorosas”.

Jornalista prestigioso radicado em Brasília, Aylê-Salassiê F. Quintão completa: “É a democracia que a escravidão legou ao País. No fundo, o brasileiro é comandado por uma hierarquia de valores no dia a dia, que se inicia dentro de casa, passa pela escola e se estende por meio da grande mídia – concessão pública - que, disfarçadamente, lhe traçam um perfil de vira-latas. O passado do brasileiro – intocado até hoje, observa Jessé – é o herdado das relações sociais na escravidão: despreza o negro e o pobre e tolera o mulato, submetidos na cotidianidade a um distanciamento covarde e silencioso, que a história vai digerindo no processo de colonização da esfera pública, por meio de falsas noções e a imprecisão de conceitos científicos difundidos na vida social”.

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