Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

A tragédia inesquecida

27/10/2020 às 16:16.
Atualizado em 27/10/2021 às 04:53

Está chegando o podcast “Praia dos Ossos”, resgatando o trágico fim de Ângela Diniz, uma das mulheres lindas deste Estado, assassinada em Búzios, na passagem do ano de 1977. É um relato sobre a Belo Horizonte daquele tempo, dos costumes na alta sociedade, da maneira de ser das mulheres da época, das mães e filhas. É – ou deve ser – a reconstrução de uma época e de personagens inesquecíveis.

 Ângela era incontestavelmente uma linda mulher e Fernando Gabeira, hoje analista político na Globo, tem um bom livro sobre ela. Encantei-me, vendo-a jovem em plenitude, no julgamento do assassinato de Maria de Lourdes Calmon, em Ouro Preto, em março de 1964. Ela irradiava beleza, mas o advogado famoso que defendeu o homicida Doca Street, o celebrado Evandro Lins e Silva, foi duramente criticado pelas feministas. O causídico declarou: “Mas elas (as feministas) não tinham razão, porque evidentemente eu não estava defendendo nada contra as mulheres. Minha mulher era viva, tenho minhas filhas. Seria uma tolice imaginar que eu estivesse ali desempenhando uma atividade contrária às mulheres. Era um episódio individual, de um casal que se desajustou e que chegou até à desgraça de um crime”.

 Mais adiante, acrescenta o tribuno: “Mostrei exatamente isso: que essa deformação de sentimento do amor, que leva até ao crime de morte, evidentemente depende dos indivíduos, dos personagens, dos protagonistas do crime. Uma criatura vive com a outra e leva-a ao desespero, insulta, ofende, cria um ambiente de insuportabilidade na vida dos dois.

O passional, quando percebe a possibilidade da perda daquilo que é o objeto do seu amor – porque ele tem uma ideia fixa, tudo é aquela mulher –, deixa de dormir direito, não se alimenta, vai criando um estado d’alma de tal natureza que, chega um dia, quando sente que a ofensa foi maior ou que vai perder aquela mulher, em que, transtornando, não idêntico a si mesmo, pratica uma violência.

Ele nunca praticou uma violência, mas pratica naquele instante. Eu então dizia que os livros todos, sem exceção, mostram que o amor perturba, que o amor leva muitas vezes a gestos de grandeza, mas também a gestos de violência. Há exemplos disso na literatura, em todos os livros, romances, em tudo que é canto. Auguste Comte dizia que a briga doméstica é o grau mais íntimo da guerra civil. Quando os cônjuges brigam, não têm quartel e as brigas se transformam muitas vezes em ódios, em incompreensões, em intolerâncias.

           

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