Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

A tragédia venezuelana

25/05/2016 às 19:22.
Atualizado em 16/11/2021 às 03:36

Há quase dois anos, o escritor e diplomata chileno Jorge Edwards, hoje com 85 anos, publicou um artigo muito interessante sobre a Venezuela inserida nas Américas. Embaixador em Cuba e na França, autor de “A Origem do Mundo”, vencedor do prêmio Miguel Cervantes de Literatura, é lúcido e objetivo em suas considerações. Até porque sabe das coisas.

Edwards comentou, então, que o castrismo ressurgiu sob a forma de chavismo, as políticas bolivarianas, seguindo o prognóstico de Fidel de que os Andes seriam a Sierra Maestra da América. Imaginando os heróis da independência do continente como Bolívar, Fidel reconheceu que seus projetos em só uma ilha estavam condenados; necessitavam expandir-se.

Chávez mudou o panorama: homem de armas, orador popular e populista, era dirigente de uma fábrica de petrodólares. Em consequência, Castro e Chávez formaram uma aliança astuta, a ALBA – Alternativa Bolivariana para a América, que pretendia mudar o hemisfério. Mas o diplomata chileno se perguntou em seguida: “Como a antiga Venezuela se transformou na atual? É um processo que exige longa explicação, mas não é pura literatura, não é realismo mágico. O que se demonstra uma vez mais é que as ditaduras pertencem à esfera das soluções falsas”.

Não é difícil constatar a verdade na afirmativa do parágrafo anterior. A falsidade das ditaduras se pode identificar em todos os lugares e tempos, não só na Venezuela, em que não poucos foram ditadores. O próprio Bolívar temia e chegou a declarar que “este país cairá, infalivelmente, nas mãos da multidão desenfreada, para depois passar ao controle de tiranetes de todas as cores e raças”. Lamentavelmente, tem sido assim.

E o povo paga, como sempre. Quem acompanha pelos veículos de comunicação o que ora acontece no vizinho ao Norte, divide as dores de um período lúgubre em carências, em que falta desde a energia para abastecer desde os lares e repartições públicas até o papel higiênico. Nenhuma solução à vista, enquanto o presidente Maduro briga com seus fantasmas político-ideológicos (?).

Li reportagem de Nicholas Cosey, do “The New York Times”, em que se relata minuciosamente a luta do sistema de saúde para pelo menos suportar as adversidades cotidianas. Chega a dizer que, sem água, luvas e remédios, hospitais da Venezuela entram em colapso. A crise econômica do país explodiu na emergência da saúde pública que vem custando a vida de inúmeros venezuelanos. E isso é apenas parte do desmoronamento do país, tão grave que levou o presidente a decretar “estado de emergência”, levando a população a crer que o governo entrará em coma. Mas convocou simultaneamente a mobilização de 520 mil homens das Forças Armadas para exercícios militares... Sob pretexto de ameaças externas.

A narração dos fatos dói.

Dois bebês prematuros, na cidade caribenha de Barcelona, morreram recentemente a caminho da principal clínica pública das redondezas porque a ambulância não dispunha de oxigênio. Aliás, o hospital em questão não tem aparelhos de raios-X ou de diálise renal, quebrados há longo tempo. Faltando leitos, pacientes ficam deitados no chão, encharcados em seu próprio sangue, muitas vezes. O médico Leandro Pérez, no Pronto-Socorro de Hospital Luiz Razetti, também em Barcelona, confessa: “Algumas pessoas chegam aqui saudáveis e saem mortas”.

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